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Filipe Melanchthon é uma das figuras proeminentes na Reforma e no Humanismo renascentista alemães, embora no Brasil esta segunda característica não seja muito bem conhecida. Sua obra como um todo tem uma base teológica com a qual ele pretendia também favorecer os estudos acadêmicos, principalmente, mas não só, no que hoje é chamado de Ciências Humanas. O presente texto mostra como ele utilizou a distinção teológica entre lei e evangelho para configurar o espaço das então assim chamadas 'artes' na universidade pré-moderna alemã tardia. A ênfase aqui está nos estudos literários e linguísticos e na abordagem ética deles, favorecida por ele.
Rezension zu Richter, Sandra. Eine Weltgeschichte der deutschsprachigen Literatur. Munique: C. Bertelsmann, 2017. 728 p.
Este artigo é formado por dois momentos distintos, porém articulados. Em primeiro lugar, pretende-se colocar algumas questões centrais para a discussão sobre a historiografia literária. Isso será feito tanto pelo questionamento de seu estatuto nos dias de hoje, bem como das dificuldades de se estabelecer uma história literária em língua alemã, quando se tem em vista autores austríacos contemporâneos. Num segundo segmento, a partir das considerações anteriores, iremos discorrer sobre a pertinência de uma perspectiva imanente. Para isso discutiremos alguns aspectos sobre a última peça do austríaco Thomas Bernhard, "Praça dos Heróis" ("Heldenplatz"), de 1988. Todo seu processo de escrita e encenação foi marcado por um escândalo programado pelo autor. Deste modo, a própria concepção da peça envolve a recepção em uma dialética entre arte e sociedade muito fecunda, resultando numa provocação elevada ao nível da forma, e não meramente acidental. Assim, questiona uma concepção de obra de arte orgânica e fechada, atualizando uma tradição épica decisiva.
O presente texto objetiva expor e divulgar ao mais amplo público leitor um panorama cronológico comentado dos estudos críticos publicados sobre a literatura produzida por imigrantes de língua alemã e seus descendentes no Brasil, mostrando que e por que se tratam de uma crítica parcial, o que evidencia a necessidade de atrair a atenção para este campo de pesquisa, partindo dos novos horizontes abertos pelos estudos culturais, pela imagologia, pelos estudos da memória, além da crítica poética. Parte-se das palavras encorajadoras de Boris Fausto em Fazer a América (1999) e de Wander de Melo Miranda em Nações literárias (2010), pois a literatura de língua alemã gerada no país pertence à cultura brasileira, é uma das nações literárias encastoadas no Brasil.
Este artigo propõe-se a mapear, por meio de seus registros literários, alguns momentos da longa e ambivalente história do processo de integração e assimilação dos judeus à cultura austro-alemã - uma história que se inicia já nos últimos anos do século XVIII, e cujos reflexos literários reverberam século XXI adentro. A contraposição entre uma visão essencialista de cultura e outra fundamentada no conceito alemão de 'Bildung' é o princípio fundamental que opera nos diferentes desdobramentos desta história aqui analisados, e gera dúvidas e perplexidades ainda hoje significativas para o estudo da literatura austro-judaica.
Este artigo explora a noção de extemporaneidade tomada como um traço distintivo do modelo temporal adotado pelos classicistas de Weimar, por Goethe em particular. Concebe o "extemporâneo" como um preceito e uma prática que supõe um movimento de dissociação do tempo presente e da pessoa do autor. Com base no ensaio "Sansculottismo literário" e na tradução da "Vida" de Benvenuto Cellini, publicadas originalmente no periódico "As Horas" ("Die Horen"), procuro esboçar o elo entre a resposta à Revolução Francesa e a reflexão sobre autoria, e discutir os limites da "extemporaneidade" de Goethe como meio de implementar a autonomia artística.
O presente artigo objetiva abordar a obra e vida de Karl May, um dos mais bem-sucedidos escritores de língua alemã, sob o aspecto da encenação. Mostra como May mistura lembranças da infância e elementos literários, o desejado e o factual para uma memória encenada, que fornece um sentido mais profundo tanto para sua biografia como para sua obra. Assim, May se recria como homem ideal que consegue em seus romances superar seus problemas com a realidade, um "eu" multifacetado representado por suas diversas personagens literárias e suas aventuras, reclamadas por May como experiências próprias. Se os entrecruzamentos da identidade ficcional e pessoal criados por Karl May marcam a primeira fase de sua produção e se formamem volta do motivo do aprisionamento e da libertação, sua obra tardia se abstém de tais elementos e se dirige a uma reflexão quase filosófica sobre a humanidade e a paz.v
Formalização estética e história na Áustria: anotações sobre Ingeborg Bachmann e Thomas Bernhard
(2021)
Neste artigo, partimos de um momento representativo da história austríaca, no final dos anos 1950, marcado por alguns desenvolvimentos no plano da vida social que buscavam parceria e harmonia, sem lidar com seu passado em relação ao nazismo. Contra essa situação se insurgem alguns autores fundamentais para a literatura austríaca, buscando formalizações estéticas que efetivam uma localização histórica crítica, que deve muito à perspectiva do materialista histórico benjaminiano. O recorte desse artigo recai sobre duas obras: o conto "Unter Mördern und Irren" (escrito em 1956-7, publicado em 1961), de Ingeborg Bachmann e o romance "Auslöschung" (1986), de Thomas Bernhard.
Zichronos de Glückl von Hameln, uma obra de caráter memorialista escrita por uma matriarca judia de Hamburgo na passagem do século XVII para o século XVIII, sob o impacto do advento da heresia sabataísta e da Guerra dos Trinta Anos, antecipa, por meio das perplexidades e das dúvidas que enuncia, um novo topos literário judaico-alemão, fundado não mais nas certezas da doutrina religiosa e dos ensinamentos tradicionais, mas na percepção da distância crescente que separa da vida tal doutrina, na percepção do abismo que se abre entre o mundo tal qual ele deveria ser e o mundo tal qual ele é, e que, portanto, parte em busca por maneiras ou respostas para se franquear tal distância, ou se volta, simplesmente, sobre o crescente estranhamento e sobre a crescente alienação. É sobre este imenso vazio e sobre estas interrogações que se construirão, como pontes dirigidas ao infinito e fadadas a nunca alcançarem seus destinos, as obras-chave da literatura judaica moderna dos séculos XIX e XX. Se o romance judaico-alemão moderno surge como representação ou como tentativa de superação deste abismo, a narrativa autobiográfica de Glückl von Hameln pode ser compreendida como um prelúdio a este gênero fundado na incompreensão, na perplexidade e na nostalgia pelo mundo impregnado de sentido.
Ao analisar o drama "Os bandoleiros" (1781), de Friedrich Schiller, este artigo defende a tese segundo a qual o pensamento antropológico desenvolvido à época do iluminismo tardio alemão serve de fundamento não apenas para os discursos médico e historiográfico, mas também para uma parcela significativa da produção literária do período. Para tanto, na primeira seção deste artigo, investigam-se as bases de formação da cultura letrada e, particularmente, da cultura médica alemã na segunda metade do século XVIII, bem como as discussões à época vigentes em torno do conceito de antropologia. Na segunda e na terceira seções, discutem-se as tendências da pesquisa contemporânea que exploram os pontos de contato entre o conhecimento histórico, o pensamento antropológico e a produção literária no século das Luzes. Esses passos fundamentam a tese aqui defendida e segundo a qual o modo de representação literária operado por Schiller em "Os bandoleiros" é expressão direta do projeto de compreensão - em termos antropológicos - das totalidades integradas do homem e da história da humanidade.