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Em meio à paisagem montanhosa dos Alpes suíços, um sanatório para doenças respiratórias. As muitas tosses ali em longo tratamento não possuem compromissos mais sérios que não sejam seguir o horário habitual das refeições e dos repousos. Diante desse meio espacialmente estagnado e temporalmente hermético de "A montanha mágica", de Thomas Mann, a liberdade mostra-se amortecida. Não nos referimos, evidentemente, à liberdade criativa do autor alemão, cuja prova de grandeza é o romance em si, tampouco à liberdade interpretativa do leitor, mas à liberdade - ou, antes, sua atenuação - problematizada pelas personagens dessa longa história. É o caso do jovem protagonista Hans Castorp, cujo aprendizado a respeito do tema paradoxalmente ocorre durante sua estada num lugar que sequestra sua liberdade. Isso se dá não apenas porque a personagem principal é incapaz de eleger, sem constrangimentos, os valores que embasam suas escolhas, mas também porque isso é dificultado pela situação espaçotemporal anômala ou, segundo o título, "mágica" da montanha. Como essa problemática é apresentada narrativamente, por meio de alguns índices de liberdade - ou seja, elementos que modificam, para as personagens e para o leitor, a indeterminação da narrativa -, é o que queremos apresentar.
Hans Keilson faz parte do numeroso grupo de escritores de língua alemã que publicou entre as décadas de 1930 e 1950 obras sobre a Segunda Guerra Mundial e temas tangentes. Reconhecido tardiamente, Keilson escreveu romances, autobiografia e ensaios em que se confundem suas experiências, seu conhecimento técnico como psicanalista e a ficção. Neste artigo propomos uma leitura da novela "Comédia em tom menor" ("Komödie in Moll"), destacando a empatia como chave fundamental para leitura da obra, a focalização como expediente narrativo para alcançá-la, e a presença de elementos cômicos imiscuídos à realidade grave e por vezes trágica que é construída no conto.
Neste artigo intencionamos realizar uma análise contrastiva de ocorrências de partículas modais (doravante PM) em alemão, catalão, croata, francês e inglês, propondo uma classe de PM para o português brasileiro. Partimos de referencial teórico com base na pragmática e em teorias funcionalistas como suporte. Nosso principal objetivo é defender a existência de PMs no português brasileiro, sendo elas recursos linguístico-discursivos utilizados com a função de modalizar informações não explícitas durante a interação. Nesse sentido, as PMs ativariam pressupostos nas enunciações baseados em significados nucleares. Trata-se de estudo inédito por propor análises de palavras e locuções que ainda não foram classificadas como tal em gramáticas luso-brasileiras, salvo algumas poucas exceções. O presente estudo justifica-se pela dificuldade que essas PM apresentam tanto para o ensino de língua adicional, quanto para a tradução. A investigação e descrição das PMs alemãs e seus equivalentes funcionais em português, podem, portanto, oferecer caminhos para a compreensão de questões pragmáticas importantes para as trocas comunicativas e seus usos em sala de aula. Finalmente, levantamos a hipótese de que, embora exista uma evidente diferença de classificação dessas partículas em muitas línguas, as funções comunicativas das PMs em alemão podem encontrar semelhantes interpretativos e até equivalentes funcionais em português brasileiro.
O presente objeto de pesquisa busca proceder ao estudo e identificação dos traços essenciais envolvidos na abordagem teórica das relações sociais e políticas trazidas na obra O Direito da Liberdade do filósofo alemão Axel Honneth. Faz-se uma análise da influência hegeliana sobre o conceito de liberdade, assim como dos fatores relacionados com o suprimento das carências subjetivas, mediadas pelas diferentes “esferas” sociais. Honneth, assim, procura trazer à tona a compreensão de um novo modelo de liberdade advindo da Filosofia do Direito de Hegel, o qual se distingue substancialmente dos modelos tradicionais. O autor busca evidenciar a limitação das teorias da justiça de tradição liberal, invocando a necessidade de uma visão integrada das relações sociais experimentadas nas esferas referidas por Hegel, concebendo-se uma experiência concreta de liberdade social. Nesse sentido, evidencia-se o caráter interdisciplinar e emancipatório do método de reconstrução normativa como base teórica para a justificação pública nas sociedades modernas.
A dimensão cômica é um aspecto negligenciado na recepção brasileira da obra de Elfriede Jelinek, embora venha ganhando cada vez mais destaque em trabalhos acadêmicos internacionais. O propósito deste trabalho é argumentar que o potencial cômico não é um fator secundário na obra da escritora austríaca, mas essencial no âmbito de seu projeto político-esclarecedor. Nesse sentido, este artigo apresenta possíveis aproximações a diversas categorias do cômico que podem ser identificadas em textos teatrais de Jelinek. A argumentação baseia-se em quatro peças teatrais, todas tematizando o papel da mulher numa sociedade patriarcal e capitalista.
O texto investiga os sentidos do isolamento na lírica de Mascha Kaléko. Interessa à abordagem em particular os significados sociais no tratamento do tema da solidão em algumas composições reunidas no título "Das lyrische Stenogrammheft", de 1933. O trânsito entre vida pública e privada, assim como as articulações daí resultantes, que tensionam os conflitos individuais no contexto da cidade moderna, organizam, aqui, os critérios de aproximação aos poemas. O objetivo é reconhecer na poesia da autora uma possibilidade de relacionar de maneira produtiva o momento presente e o potencial interpretativo implicado na representação da experiência da metrópole, partindo de Berlim, na República de Weimar.
Este artigo tem por objetivo analisar comparativamente as semelhanças contidas nas críticas à democracia liberal presentes em alguns trabalhos selecionados de Carl Schmitt (1888-1985) e Robert Kurz (1943-2012). A despeito da estreita associação do primeiro autor com o regime nazista após 1933 e do segundo ser normalmente caracterizado como um pensador marxista (embora bastante crítico ao marxismo “ortodoxo”), são verificáveis inúmeras similitudes entre ambos quando se propõem a analisar as características do liberalismo parlamentar das democracias do século XX. Uma hipótese que pode explicar tais semelhanças seria a influência exercida por Schmitt sobre diversos teóricos da escola de Frankfurt, com os quais Kurz frequentemente dialoga em seus escritos e que foram inspiradores de algumas de suas reflexões – em especial, Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer, embora Schmitt também tenha influenciado Franz Neumann, Otto Kirchheimer, Karl Korsch e Herbert Marcuse. Outra via de interpretação abordada aqui se refere à possibilidade de Schmitt ter encontrado, em suas teorias sobre o Estado e sobre o direito, os limites epistemológicos do liberalismo moderno, o que constitui o principal objeto de pesquisa de Kurz e foi tema recorrente nos escritos dos teóricos de Frankfurt.
Neste artigo trataremos de entender quais foram as principais propostas de Theodor W. Adorno, filósofo alemão e membro da Escola de Frankfurt, para a educação de seu tempo. A partir de uma análise, mesmo que marginal, de parte do conjunto substancial de seus escritos, palestras, entrevistas e debates, sobretudo da obra em conjunto com Horkheimer, “Dialética do Esclarecimento” e dos ensaios de “Educação e Emancipação”, este texto evidencia os pressupostos do pensamento adorniano, pautado na teoria crítica da sociedade, e elucida suas reflexões na tentativa de propor que a educação fosse mais política e baseada no esclarecimento e na emancipação. Modicamente, buscamos pensar a atualidade e a urgência de suas reflexões para o campo educacional contemporâneo.
A emancipação do indivíduo (e, mais precisamente de um tipo específico de indivíduo, a saber, o "burguês") é o principal ponto de convergência entre duas obras da literatura europeia setecentista (seja insular, britânica, seja continental, alemã). São elas: "Robinson Crusoé" (1719), de Daniel Defoe, e "Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister" (1795-1796), de Johann Wolfgang von Goethe. Em seu cerne, ambas enfocam a formação do indivíduo por meio do deslocamento geográfico, dizendo respeito não apenas a um processo de desenvolvimento pessoal, interno, mas também a uma dimensão sócio-cultural mais ampla, englobando os avanços da industrialização e as aspirações da sociedade de seu tempo. Juntos, o romance de formação ou "pedagógico" ('Bildungsroman'), bem como a viagem de formação ('Bildungsreisen') se entrecruzam em um ponto onde o sujeito burguês busca se afirmar em uma sociedade cada vez mais competitiva, desigual, em que o o indivíduo precisa descobrir a si mesmo (saindo de seu meio, ressalte-se), na busca do alcance de uma formação pessoal - seja para se coadunar com o que a nova sociedade industrial em ascensão espera dele ou para conseguir se opor aos valores dela. Tal tensão, no caso de Goethe, é evidenciada por meio da oposição do protagonista, Wilhelm (o burguês que busca seguir as próprias aptidões, independentemente do desejo de acúmulo de bens, apoiando-se em uma "ilha humanista" representada por uma sociedade secreta) ou o personagem Werner, o tipo burguês que busca de modo exclusivo o lucro em tudo o que faz. Em suma, tem-se um representante da chamada 'Bildungsbürgertum' (burguesia da cultura) e outro da 'Besitzbürgertum' (burguesia da propriedade), respectivamente. Este último, a propósito, tem suas raízes literárias na figua de Crusoé, cuja popularidade perdura até os dias de hoje. Desse modo, este trabalho busca apresentar de que modo as transformações sociais ocorridas no século XVIII impactaram na tradição literária, representada por meio de dois nomes exponenciais da narrativa de ficção envolvendo formação individual e deslocamento geográfico, contribuindo para uma discussão a respeito do individualismo econômico. Para tanto, buscou-se o aporte teórico de autores como Franco Moretti (2014), Benedict Anderson (2008), Walter Benjamin (2012), Georg Lukács (2009), Thomas Mann (2011) e Ian Watt (2010), que aponta a referida obra de Defoe como responsável por iniciar a tradição do romance como gênero.