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Emancipação tem sido, na teoria crítica da Escola de Frankfurt, o critério normativo último à luz do qual tanto a reconstrução de teorias sociais como a análise de realidades sociais específicas foram avaliadas. Como na Teoria da Ação Comunicativa, de Habermas, houve uma certa restrição ao mundo da vida em detrimento dos subsistemas político-administrativo e econômico, Axel Honneth propôs, em sua Teoria do Reconhecimento, retomar o projeto de uma teoria crítica que analise todas as dimensões da vida social à luz de critérios éticos imanentes, tendo a emancipação como horizonte teleológico. Em seu livro O direito da liberdade: esboço de uma eticidade democrática, lançado em junho de 2011, ele desenvolve uma teoria da justiça que, em distinção à tradição em que se insere o autor, coloca a liberdade como o critério ético nas diferentes esferas da vida. O texto analisa as raízes da obra perguntando-se como a questão da emancipação foi relacionada ao propósito de uma teoria da justiça. Sua atenção está menos voltada para o conteúdo concreto do diagnóstico de época e mais para a proposta metodológica de reconstrução normativa como uma ferramenta para a análise da sociedade.
Adorno e Kierkegaard
(2013)
Falar da relação entre dois pensadores, um dos quais produziu uma interpretação do outro, significa fazer duas coisas. Por um lado, o expositor precisa examinar essa interpretação, desvendando os pressupostos do intérprete, seus a prioris culturais, seus condicionamentos ideológicos. Por outro, ele precisa investigar em que medida o próprio intérprete foi influenciado em sua obra posterior pelas ideias que ele descobriu no interpretado. É o caso exemplar de Adorno e Kierkegaard. Adorno interpretou Kierkegaard segundo uma óptica marxista muito particular. A tarefa, no caso, é examinar a validade dessa análise. E depois impõe-se fazer o movimento inverso, procurando na obra de Adorno os ecos do pensamento de Kierkegaard. No primeiro caso, Kierkegaard é objeto de interpretação, e no segundo, é fonte para a interpretação da teoria crítica em geral. O autor tentou examinar as duas vertentes dessa dialética.
O artigo propõe traçar a evolução da Teoria do Reconhecimento através da obra de seu autor, Axel Honneth, e apresentar sua recepção no Brasil acompanhada de suas críticas e interpretações. Na primeira parte do artigo é apresentado o conjunto da obra do autor, buscando evidenciar sua evolução interna e os diálogos que Honneth estabelece com seus antecessores. Na segunda parte, discute-se a pertinência, abrangência ou adaptabilidade da Teoria do Reconhecimento a partir de dois pontos principais apontados pelas diversas interpretações da obra do autor: 1) a concepção individualista da autonomia e as suas implicações sobre o entendimento do papel da ação coletiva na luta pelo reconhecimento; 2) as dificuldades de operacionalização teórico-metodológica do seu sistema conceitual em estudos empíricos, e ainda associadas aos parâmetros cívicos europeus, ou mesmo alemães, sobre os quais o autor constrói sua noção de normatividade. Como será desenvolvido, esses temas se encontram articulados entre si e explorados pelos diferentes artigos que compõem o presente dossiê.
A racionalização das tradições na modernidade: o diálogo entre Anthony Giddens e Jürgen Habermas
(2013)
Partindo das reflexões de Habermas e sua concepção de modernidade, compreendida como um projeto inacabado, Giddens salienta que, em todas as sociedades, a manutenção da identidade pessoal e sua conexão com identidades sociais mais amplas é um requisito primordial para a segurança ontológica. Para alcançar a segurança ontológica, a modernidade teve que (re)inventar tradições e se afastar de "tradições genuínas", isto é, aqueles valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno. Este é um caráter de descontinuidade da modernidade – a separação entre o que se apresenta como o novo e o que persiste como herança do velho. É sobre a relação entre tradição e modernidade e sobre um diálogo entre Giddens e Habermas que trata este texto. O objetivo é identificar os pontos de contato e as diferenças das teses defendidas por ambos, a fim de avaliar as contribuições de cada um para se pensar a racionalização das sociedades contemporâneas. A modernidade tardia ou reflexiva é um processo de mudanças ininterruptas que afetam as bases da sociedade ocidental. Frente a uma realidade em constante alteração, faz-se necessário escolher entre uma certeza do passado e uma nova realidade, em contínua mutação. Nesse sentido, e segundo a perspectiva habermasiana, o caráter reflexivo da modernidade está nesse processo de escolha entre as certezas herdadas do passado e as novas formas sociais que conduz à reflexão ou, até mesmo, à reformulação das práticas sociais, provocando a racionalização e a (re)invenção de diversos aspectos da vida em sociedade.
O objetivo principal deste artigo é desenvolver uma reflexão a respeito das relações entre a arqueogenealogia das relações entre verdade, poder e discurso, tal como a pratica Michel Foucault, por um lado, e a teoria crítica da sociedade, da Escola de Frankfurt, por outro lado. Essa aproximação é feita por meio de uma reconstrução da crítica de Jürgen Habermas a Michel Foucault, no livro O Discurso Filosófico da Modernidade.
O texto se ocupa com a questão da interpretação da obra de Jean-Jacques Rousseau, em particular com suas referências sobre a dependência constitutiva em relação aos outros. Vista negativamente na crítica da cultura, mas positivamente nos esboços de um contrato social, o lugar dessa dependência constitutiva da confirmação e estima por parte dos outros está vinculada ao significado dado ao “amor próprio” nos diferentes textos; mas ela abre a possibilidade de interpretar Rousseau como um teórico do reconhecimento. O autor acompanha Rousseau em seu desenvolvimento teórico até o ponto em que ele se tornou consciente das exigências de uma forma sociocontratual, igualitária do reconhecimento mútuo, para depois expor a enorme influência que a ideia bipolar de Rousseau a respeito do reconhecimento social exerceu sobre a teoria social da modernidade: em sua variante negativa, a profunda necessidade dos seres humanos de sobrepujar os respectivos cossujeitos no grau de estima social, reinterpretada por Kant como sendo a força motriz do progresso cultural e social, e em sua variante positiva, o respeito mútuo entre iguais, desenvolvido por Fichte e Hegel na direção de uma teoria do reconhecimento relacionada ao direito e à moralidade. No final, Honneth discute o ceticismo com que Rousseau sempre viu a dependência de outros contida no “amor próprio”, deixando sem solução definitiva a tensão entre a ideia estoica de uma independência pessoal de toda avaliação alheia e a ideia intersubjetivista de uma profunda dependência do outro. (Resumo do editor).
Neste texto, analisam-se o conceito de grupo e suas manifestações, buscando contrapor às perspectivas categoriais da psicanálise e da teoria sociológica, consideradas incompletas em razão de estilizações unilaterais que impedem uma conexão conceitual básica entre as duas disciplinas, uma terminologia que, de partida, seja neutra frente às alternativas positiva e negativa de inserção do eu no grupo. Para tanto, o grupo, independentemente de seu tamanho e tipo, inicialmente deve ser compreendido como um mecanismo social fundado na necessidade ou no interesse psíquico do indivíduo, porque o auxilia na estabilidade e ampliação pessoais. O artigo descreve, em linhas gerais, o arcabouço categorial unificado, recorrendo ao conceito do reconhecimento. Num primeiro passo, apresenta-se brevemente a premissa de que a dependência individual de experiências de reconhecimento social explica por que o sujeito individualmente aspira a ser membro em diferentes modelos de agrupamentos sociais. Num segundo passo, tenta-se corrigir a imagem idealizada de grupo anteriormente introduzida, ao tematizar as tendências regressivas que frequentemente codeterminam a vivência no grupo. Por fim, segue-se a ideia de retirar gradativamente aquelas idealizações que estavam na base da premissa inicial de uma diluição harmônica do eu no nós do grupo.
O texto discute a relação entre a educação e a organização democrática do governo republicano. Para o autor, pelo menos desde Kant os teóricos clássicos da filosofia política estavam convencidos de que uma boa educação e uma ordem estatal republicana dependem uma da outra: formar cidadãos para a liberdade para que, como cidadãos autônomos institucionalizem uma educação pública que possibilite a seus filhos o caminho para a maioridade política. Mas ele constata hoje um divórcio entre as gêmeas teorias da democracia e da educação. Razões que podem ter levado a essa cisão ele localiza na combinação, por afinidades eletivas, entre uma concepção truncada de democracia, que dependeria de comunidades tradicionais e mesmo religiosas para reproduzir suas bases ético-culturais, e uma falsa concepção normativa de neutralidade do estado, que culmina concebendo os professores não mais como servidores públicos a serviço do estado democrático de direito, mas como servidores dos pais. Em contraposição ao desacoplamento entre a formação do cidadão autônomo e do governo autônomo dos cidadãos, entre pedagogia e teoria política, ele reconstrói, a partir dos clássicos da teoria social, a concepção sobre um nexo fundamental entre educação e liberdade política, entre formação e democracia. Longe de advogar por uma volta à escola tradicional, o autor chama a atenção para dois grandes desafios que juntas, pedagogia e teoria democrática precisam enfrentar: o impacto da revolução digital sobre a esfera pública e a crescente heterogeneidade cultural dos cidadãos, em especial nas democracias ocidentais, para que a educação torne a ser o lugar do aprendizado da cultura democrática.
Trata-se de uma réplica ao texto "Uma filosofia da história tornada sóbria", de Georg Lohmann. Nessa réplica o autor justifica que procura vincular uma teoria exigente da evolução social com a da consciência falível, porém não derrotista, de um ethos kantiano que nos obriga a contribuir de algum modo para a melhoria do mundo.
Theodor Adorno deixou uma série de anotações sobre o romance O Inominável de Samuel Beckett, as quais deveriam ser aproveitadas para a elaboração de um ensaio que nunca chegou a ser escrito. O artigo busca discutir uma dessas anotações, segundo a qual o romance de Beckett poderia ser caracterizado como a consumação de uma tendência do romance contemporâneo em direção ao romance reflexivo. Com o intuito de desdobrar essa questão o artigo recorre a elementos da obra de Beckett e da reflexão de Adorno sobre a forma do romance.
O artigo tem por objetivo precípuo socializar o estudo empreendido na Teoria do Reconhecimento, do sociólogo e filósofo alemão Axel Honneth, em estágio pós-doutoral no Núcleo de Pesquisa "Violência e Cidadania", no Programa de Pós-graduação em Sociologia, da UFRGS, no período 2010-2011. A meta foi articular a pesquisa teórica sobre o "reconhecimento intersubjetivo e social" com uma investigação empírica qualitativa sobre as origens do fenômeno de rualização infanto-juvenil, no meio urbano. A hipótese preconizou o primado do reconhecimento negado a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, em detrimento de condições econômicas desfavoráveis, como causa da migração para a vida nas ruas e da ocorrência dos múltiplos conflitos sociais deflagrados por essa condição. A pesquisa de campo foi realizada em parceria com duas instituições assistenciais de Porto Alegre, que oferecem o Serviço de Apoio Socioeducativo (SASE), conveniadas com a prefeitura municipal. Os resultados corroboraram a hipótese de que as políticas públicas de distribuição de renda desarticuladas das práticas assistenciais e educativas não contribuem para arrefecer as conflitualidades urbanas. Nesse sentido, o Programa SASE, voltado ao atendimento de crianças e jovens das classes populares que vivenciam diuturnamente a desestruturação familiar, o abandono afetivo, moral, intelectual e o desprezo social, contribui para o fortalecimento das três dimensões do reconhecimento: o amor, o direito e a estima social, reintegrando o público alvo ao núcleo familiar e à sociedade.
O objetivo do texto é propor uma interpretação do conceito de sublime na Teoria estética de Theodor Adorno, partindo do confronto com leituras significativas de outros comentadores, de modo a fornecer uma concepção que associe o movimento de transcendência e alteridade da forma estética à dinâmica histórico-processual das obras.
Este ensaio vem problematizar acerca da atualidade do conceito de indústria cultural (Kulturindustrie), no projeto da teoria crítica de Theodor W. Adorno, objetivando mostrar que as atuais limitações impostas ao debate derivam mais do fundamento não-dialético dos que apontam sua restrição do que da própria potência da teorização frankfurtiana.
Este artigo busca aliar as leituras de Adorno e Dewey acerca do papel da educação frente o fenômeno da alienação social, focando principalmente a experiência dentro do processo de emancipação. Ao final, busca-se identificar os ideais de coletividade e compromisso como premissas falsas dos processos educacionais.
Do deserto de gelo da abstração ao filosofar concreto: correspondência Adorno-Benjamin (1928-1940)
(2013)
Trata-se de uma resenha crítica da controvertida correspondência entre Theodor W. Adorno e Walter Benjamin – dois dos mais expressivos representantes da chamada primeira geração de teóricos críticos associados ao Instituto de Pesquisa Social. Além de remeter suas cartas à respectiva experiência intelectual de cada um deles, este artigo busca oferecer uma análise fundamentada dessa instigante interlocução filosófica, para além da rígida bipolarização entre "adornianos" e "benjaminianos", que, via de regra, tem predominado em sua recepção especializada, dentro e fora do Brasil. Para isso, procura-se enfatizar o contraponto produtivo entre a Dialética negativa de Adorno e o projeto das Passagens de Benjamin, tomando como centro gravitacional o processo construtivo deste último trabalho – cerne tanto das afinidades, quanto das insolúveis dissonâncias entre os dois autores. Esta pesquisa tem o apoio da FAPESP.
A legislação que fundamenta a inclusão da pessoa com deficiência na escola e na empresa vigora desde o final dos anos 1980. Devido à obrigatoriedade, pessoas com deficiência têm sido matriculadas nas escolas e contratadas por empresas. Esta pesquisa analisa tal processo de inclusão, sob a ótica da teoria do reconhecimento social de Honneth. Com base em seu conceito tridimensional de reconhecimento, mostramos, inicialmente, que a inclusão compreende dois processos articulados: individuação e inclusão. Em seguida, realizamos um estudo da legislação, finalidades e estratégias de consecução, mostrando que a perspectiva adotada permite interpretar a lei de modo mais generoso, desfazendo um equívoco positivista derivado de uma redação imprecisa. Por fim, desenvolvemos algumas considerações acerca da condição de escolas e empresas implementarem a legislação de maneira a efetivar a inclusão/individuação.