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Johann Nepomuk Nestroy (1801-1862) foi um dos dramaturgos mais importantes da história do teatro da Áustria. Ator e autor aclamado durante seu tempo, é também nome de referência e enorme influência para muitos escritores austríacos canônicos do século XX e do começo do XXI, que até hoje se definem como devedores de sua poética dramatúrgica (por exemplo, Karl Kraus ou Elfriede Jelinek). Este artigo, além de destacar o papel do dramaturgo com "ancestral" para uma parte da literatura austríaca, lança um olhar sobre a única tradução de uma peça de Nestroy disponível no Brasil ("Cacique Vento-da-Tarde ou O festim do horror", publicada em 1990), com o intuito de colocar em questão a visão recorrente da obra de Nestroy como "intraduzível".
Este trabalho tem como objetivo discutir as noções de apropriação pela via da tradução a partir da análise de oito excertos da Preparação à primeira parte da obra "Die Kunst das Clavier zu spielen" de Friedrich Wilhelm Marpurg. A Preparação desta obra compõe-se de 23 parágrafos, dos quais oito refletem ideias apresentadas numa obra anterior, a saber, "L'Art de toucher le clavecin" (1716), de François Couperin. Para este trabalho será considerado o reflexo dessas ideias pela via da tradução. Os trechos traduzidos aparecem ora aumentados, ora reduzidos, ou então são suprimidos. Esta dinâmica de tradução é afirmada por Marpurg no prefácio de duas edições anteriores a 1762: as edições de 1750 e 1751. Investigamos, nas discussões sobre apropriação, o que teria levado Marpurg a abandonar a reverência a Couperin nos prefácios de edições posteriores, o que contribuiu para que essa apropriação - ocorrida também, mas não apenas por meio da tradução - pudesse ser relacionada, a princípio, à autoria. Nesse sentido, apoiados em obras científicas sobre tradução e apropriação, discutimos a noção de tradução, apropriação e autoria, traçando um diálogo com duas áreas dos Estudos da Tradução: análise comparativa e tradução comentada.
Este artigo pretende apresentar algumas das ideias de Brecht sobre o cinema e a fotografia, elaboradas em obras literárias, ensaios e notas escritos ao longo de sua trajetória. A proposta aqui é oferecer ao leitor de português acesso a uma importante faceta do pensamento brechtiano, ainda pouco conhecida no Brasil: suas reflexões sobre a imagem técnica.
Este artigo apresenta o "Réquiem a uma Amiga" (tradução no final do artigo) com algumas reflexões ensaísticas sobre o lugar desse poema na obra do poeta R. M. Rilke. Iniciaremos com observações biográficas (os encontros do poeta com a escultora Clara Westhoff e sua amiga Paula em Paris em 1900) que ocasionaram o estudo da pintura de paisagem e um pequeno livro de ocasião de Rilke sobre a colônia de artistas de Worpswede, no norte da Alemanha. O forte impacto que esses encontros - e em particular a análise das telas de Paula Modersohn-Becker em 1905 - tiveram sobre a sensibilidade poética de Rilke contribuíram para a nova forma estilística ('Dingwendung') que se manifesta na obra madura de Rilke. Apresentamos assim um momento de vida e um aspecto específico do desenvolvimento da relação do poeta e de sua obra com as artes plásticas, que ilumina o papel da poesia como trabalho de luto do poeta e como prefiguração das obras da fase madura dos Sonetos e das Elegias.
O presente artigo versa sobre as "Elegias de Buckow" ["Buckower Elegien"], produzidas por Brecht a partir de meados de 1953. Para análise e comentário foram selecionados 8 poemas da obra. Nestes procura-se verificar a crítica do autor à situação político-social da Alemanha Oriental nessa época, num quadro de reapresentação de elementos fascistas numa sociedade a que se atribuía a construção do socialismo. No plano formal, procura-se salientar - apelando-se também a poemas anteriores, escritos durante a guerra - a maneira com que, nas elegias, Brecht altera a perspectiva do lamento para atender a necessidades historicamente configuradas.
Formalização estética e história na Áustria: anotações sobre Ingeborg Bachmann e Thomas Bernhard
(2021)
Neste artigo, partimos de um momento representativo da história austríaca, no final dos anos 1950, marcado por alguns desenvolvimentos no plano da vida social que buscavam parceria e harmonia, sem lidar com seu passado em relação ao nazismo. Contra essa situação se insurgem alguns autores fundamentais para a literatura austríaca, buscando formalizações estéticas que efetivam uma localização histórica crítica, que deve muito à perspectiva do materialista histórico benjaminiano. O recorte desse artigo recai sobre duas obras: o conto "Unter Mördern und Irren" (escrito em 1956-7, publicado em 1961), de Ingeborg Bachmann e o romance "Auslöschung" (1986), de Thomas Bernhard.
Ao longo do romance de Elfriede Jelinek, "Desejo", há um amplo uso de citações da poesia de Hölderlin, às vezes pouco perceptível, às vezes grotescamente alterada. Tem havido pouco consenso acadêmico sobre a função dessas citações: alguns encontraram vestígios de uma noção utópica de uma sociedade justa e justa para contrastar com a dura sátira do romance; outros leram Hölderlin como representando o patriarcado authorship. Minha contribuição sugere que Jelinek toma dois dispositivos estilísticos de Hölderlin - a forma gnômica e a 'harte Fügung' (harmonia austera) - para integrá-los como princípios principais de seu próprio texto. Ao fazer isso, ela enfatiza Hölderlin como um autor de vanguarda no sentido de Bourdieu: como um autor cujo objetivo é levar a linguagem poética a novos limites. Assim, Jelinek assume a figuração contemporânea de Hölderlin (representada pela edição de D.E. Sattler em Frankfurt); e ao utilizar Hölderlin de forma tão inovadora, ela se posiciona dentro desta tradição vanguardista.
Neste artigo, proponho a aproximação do poema "Engführung" (1958), do poeta Paul Celan, com o ensaio "Cascas" (2011 [2017]), do historiador de arte francês Georges Didi-Huberman, tomando como ponto de partida a ideia de percurso que atravessa ambas as obras. Para tanto, baseio-me nas leituras que Joachim Seng faz do poema de Celan (1992; 1998), nas quais lê "Engführung" como um trajeto do eu-poético pelo campo de concentração (Auschwitz) que é, ao mesmo tempo, campo da memória e linguagem. Em "Cascas", Didi-Huberman relata o percurso da sua visita a Auschwitz, enfocando o papel do olhar na realização do trabalho da memória. Nesse sentido, ao posicionar lado a lado o poema e o ensaio, estes parecem apontar para modos de olhar e dizer Auschwitz que colocam para o leitor as tensões inerentes a este movimento, não se omitem desta tarefa ética e refletem criticamente a postura individual e coletiva diante da lacuna do testemunho e do que resta do campo de concentração.
A partir de dados sobre a frequência de ocorrência de pronomes reflexivos, retirados de textos de quatro livros didáticos de língua alemã (Blaue Blume, 2011; DaF kompakt neu A2, 2016; Menschen A2, 2013; Studio d A2, 2006), o presente artigo discute meios para a identificação de insumos didatizados e não didatizados. Essa proposta é justificada pelo interesse em desenvolver uma base empírica que auxilie a seleção de textos para um projeto de criação de um material didático destinado ao ensino de alemão em contexto universitário no Brasil. Para o tratamento dos textos utilizamos os programas WordSmith Tools (2016) e QuAX-DaF (2019). Tais ferramentas apresentam dados de frequência de ocorrência nos textos investigados, além de estabelecer uma relação com um corpus autêntico de língua alemã (Leipzig Corpora Collection). Os resultados indicam que a investigação da frequência de ocorrência pode estabelecer uma base quantitativa e qualitativa para a escolha textual de acordo com a progressão lexical e gramatical desejada, podendo ser um critério para a inclusão ou de exclusão de textos para o ensino de línguas.
Na prática do ensino de Alemão como Língua Estrangeira (ALE), os conteúdos de 'Landeskunde' são abordados cada vez mais sob a perspectiva de que culturas heterogêneas permeiam os diferentes países de idioma alemão. Questionando-nos acerca da representatividade, em materiais didáticos, de países cujo idioma oficial é alemão, dedicamo-nos ao levantamento e à análise de dados sobre os aspectos culturais da Áustria presentes no livro didático "DaF Kompakt neu" (2016), material utilizado em boa parte dos cursos de graduação para formação de professores de alemão no Brasil. Os dados coletados foram categorizados e, então, analisados, de forma que pudéssemos averiguar a inclusão de informações implícitas e explícitas sobre a Áustria e seu potencial para incentivar discusses em sala de aula. Destacamos na exposição dos resultados que o material selecionado apresenta menções profícuas e, mais ainda, que a quantidade e complexidade dessas aumentariam conforme o avanço dos níveis de línguas ensinados. Concluímos ressaltando que, apesar da representatividade do material didático, outros elementos como preparo e disposição do professor, além de materiais suplementares, seriam indispensáveis para a presentificação do 'DACH-Prinzip' no ensino de ALE.
Mapeamento de estudos da linguística contrastiva Português/Alemão : dados bibliográficos no Brasil
(2021)
Este trabalho tem como propósito relatar o desenvolvimento, a metodologia e os resultados de um Projeto de Iniciação Científica que propõe a construção de uma base de dados da bibliografia da linguística contrastiva Português/Alemão. De natureza documentalbibliográfica, a coletânea bibliográfica foi realizada em bases de dados brasileiras de publicações em português, e as referências compiladas no software Zotero. As buscas foram realizadas entre agosto e dezembro de 2019 e se utilizou as palavras-chave (Língua Alemã; Língua Portuguesa; Alemão; Português; Linguística; Linguística Contrastiva), assim como as grandes áreas da Linguística (Morfologia; Fonética; Fonologia; Semântica; Pragmática e Sintaxe). Foram identificadas ao todo 48 pesquisas, publicadas entre os anos de 1972 e 2019, classificadas entre Literatura Branca e Literatura Cinzenta. Os dados apontam uma prevalência de artigos publicados no periódico Pandaemonium Germanicum, da Universidade de São Paulo (USP), especialmente na década de 1990, assim como um grande número de pesquisas na área de semântica.
Este artigo é uma introdução à Análise do Discurso da Sociologia do Conhecimento (ADSC). Trata-se de uma abordagem da pesquisa discursiva dentro das ciências sociais que goza de antiga recepção no espaço de língua alemã e recentemente também em âmbito internacional. Essa abordagem combina a análise de regimes de saber/poder postulada por Foucault com o paradigma interpretativo da sociologia, em especial com a tradição pragmática do interacionismo simbólico e da sociologia do conhecimento social-construtivista. São apresentados importantes conceitos fundamentais, além de sugestões para a metodologia e a aplicação metódica de estudos discursivos correspondentes.
Franz Kafka manteve doze cadernos in-quarto ao longo de quatorze anos e fez neles o registro da sua peculiar existência. Conhecidos como seus diários íntimos, esses cadernos servem de valiosa fonte para a compreensão não apenas da vida do escritor como também – e especialmente – do seu legado literário. Não obstante, pouca atenção ainda é dada pela crítica e pela academia a esses textos como objeto exclusivo de investigação, ora pelo constrangimento exercido pelos resquícios das abordagens pós-estruturalistas, ora pela recepção e pela tradução a que se sujeitaram. Este artigo tem o propósito de apresentar um panorama desses doze cadernos, abrangendo sua origem, sua recepção, sua tradução, suas particularidades, sua estrutura e seu conteúdo. Por ser a crítica em nosso país tanto a respeito do gênero diário quanto dos cadernos in-quarto de Kafka escassa, essa apresentação pode auxiliar potenciais leitores e interessados nesses diários a contextualizá-los e consequentemente permitir o desenvolvimento de pesquisas mais aprofundadas acerca dessas notas.
Reconsiderando a tripartição coseriana do linguístico (em um nível universal, do falar em geral; um histórico, das línguas particulares; um individual, dos discursos produzidos em situações específicas), o romanista alemão Peter Koch propõe o acréscimo, no nível histórico, duma historicidade dos textos ou das tradições discursivas, constituindo regras distintas das regras da língua. Neste estudo programático de 1997, publicado na série "ScriptOralia" da editora Narr (Tübingen, Alemanha), o autor define o conceito de tradição discursiva; delimita seu campo teórico, postulando quatro campos linguísticos, referentemente, a atividade do falar (universal), as línguas particulares (histórico), as regras do discurso ou tradições discursivas (histórico) e o discurso (individual); discute ainda suas implicações para as fronteiras entre Linguística Textual e Linguística Variacional, universais da comunicação e gêneros textuais e intertextualidade e interdiscursividade; ademais, apresenta seu proveito para a Literatura e Linguística, os estudos de oralidade e história da língua. Por fim, descreve a dinâmica de sua formação e transformação pelos processos de diferenciação, mistura, convergência e desaparecimento. O objetivo da presente tradução é tornar acessível ao público brasileiro esta obra de referência sobre a noção de tradição discursiva, que exerce decisiva influência tanto na Romanística alemã quanto em recentes pesquisas históricas do Português Brasileiro.
Este trabalho analisa a integração e a construção da narrativa mítica das mulheres Amazonas no primeiro volume da trilogia sul-americana "Amazonas", de Alfred Döblin. Trata-se de um romance ainda pouco conhecido no Brasil, escrito entre 1935 e 1937, quando o autor esteve exilado em Paris. Sob a perspectiva de Jan Assmann em relação às noções de mitomotricidade fundacional e mitomotricidade contrapresente, focalizamos como a narrativa mítica das mulheres Amazonas é incorporada na trilogia e quais significações suscita. Consideramos que o autor opera de duas maneiras no romance: a primeira é a incorporação e funcionamento de certos mitos na representação ficcional da vida dos indígenas; a segunda é a adaptação de mitos na construção da trama ficcional, sendo que o leitor possui uma participação dupla na narrativa mítica: como observador no nível da realidade ficcional e como receptor no nível da narrativa romanesca. Nesse sentido, a mitologia indígena é introduzida no romance de maneira complexa, atua como elemento estético que busca reconfigurar a posição do homem na natureza e tem efeito "contrapresente" sobre os leitores, pois induz a uma reflexão crítica sobre o desenvolvimento da civilização humana e do seu poder destrutivo, sobretudo na primeira metade do século XX.
Abordando o conjunto das chamadas "peças de fala" ("Sprechstücke"), as primeiras quatro obras escritas para o teatro ainda nos anos 60 por Peter Handke, Prêmio Nobel de Literatura de 2019, o ensaio busca localizar nelas mais do que o jogo autorreferencial alienado censurado por muitos num suposto pós-modernismo. Relacionando o projeto do autor com uma tradição modernista propriamente austríaca e com as preocupações de uma possível filosofia política da linguagem, investigamos essa dramaturgia como uma operação crítica em relação a um funcionamento coercitivo da linguagem, para ao fim relacionar esse interesse com sua posição na história do teatro, propondo seu papel chave para compreender a cena contemporânea.
Dada a posição excêntrica de Hermann Hesse dentro da literatura de língua alemã no século XX, quase como um "outsider" retrógrado, o objetivo do presente artigo é tentar situar "O lobo da estepe" (1927) nas discussões sobre a "modernidade literária". Para esse fim, serão realizadas considerações que demonstram como o livro representa um sujeito no contexto do mundo moderno dos anos 1920 e como o romance adota uma estrutura multiperspectiva que reflete os novos modos de representação que começaram a ser explorados na forma literária moderna. Essa estrutura será analisada com base nas categorias narratológicas propostas por Genette (1995), apontando as três diferentes perspectivas sobre o protagonista Harry Haller presentes no livro: a do "Prefácio do editor", "As Anotações de Harry Haller" e o "Tratado do lobo da estepe". A partir da análise, discutir-se-á a possibilidade de entender os acontecimentos narrados nas "Anotações”"como frutos da imaginação ou como depoimento autobiográfico do protagonista. No primeiro caso, o livro se encaixaria na categoria do realismo, no segundo, na literatura fantástica. Por fim, serão comparadas as diversas edições do livro - que apresentam diferenças significativas - de modo a evidenciar como a estrutura narrativa pode favorecer a classificação do romance como fantástico.
Em seu último romance, "Die fürchterlichen Tage des schrecklichen Grauens" ("Os pavorosos dias do Espantoso Horror"), Roman Ehrlich apresenta a trajetória de um grupo de pessoas que almeja produzir um filme de terror inovador que retrate todos os medos da atualidade. Ao mesmo tempo que não rejeitam a inspiração dos mais diversos filmes do gênero, incluindo o trash, os envolvidos acreditam poder produzir uma obra vanguardista de destacada qualidade artística. Tão claro quanto o futuro fracasso do projeto, está o jogo de vaidades e inseguranças que movimenta o grupo, assim como a completa ausência das pretensas qualidades artísticas. Com base nas teorias de Andreas Huyssen sobre o pós-moderno, Bourdieu sobre o valor da arte, e Boris Groys sobre o novo, este artigo visa discutir como ambições artísticas mal fundamentadas produzem o efeito de vazio trabalhado no romance de Roman Ehrlich.
Em 2019, durante o III Congresso da Associação Brasileira de Estudos Germanísticos (ABEG), as organizadoras deste volume temático, motivadas pelo rico ambiente acadêmico da ocasião, decidiram propor a organização de um caderno especial para a discussão de trabalhos científicos na "Pandaemonium Germanicum", com foco no uso de tecnologias digitais no ensino de alemão. A proposta foi prontamente acolhida pela equipe editorial da revista e somos muito gratas a ela pela oportunidade! Até aquele momento, o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) era opcional em diferentes contextos de ensino e aprendizagem de línguas e as pesquisadoras reconheciam ali o grande potencial para o ensino e para o fomento da aprendizagem. O que elas não previam na ocasião, porém, é que o uso dessas tecnologias em contextos de ensino e aprendizagem de línguas passaria de opcional para "compulsório" no ano seguinte, devido à pandemia causada pelo vírus COVID-19, em diversos países do mundo.
À primeira vista, os microdramas de Wolfgang Bauer, escritos nos anos 1960, parecem ser nada mais do que pequenas brincadeiras engraçadas com o gênero dramático e suas convenções. Partindo da constatação que eles tiveram um considerável efeito provocativo, e até político, no contexto conservador da Áustria daquela década, propõe-se uma reflexão sobre a relação entre a sua comicidade e o seu potencial incitador. Com base em estudos sobre características e efeitos da obra de Wolfgang Bauer (Antonic [2017; 2018]; Melzer [1981], Waggershauser [2016]) e nas teorizações sobre a experiência do cômico de Peter L. Berger (1998) e Uwe Wirth (1999), este artigo sugere que os microdramas de Bauer não são apenas um exemplo de metateatro bastante inovador. Eles permitem surgir um riso "redentor", libertador, que também pode ser sentido como uma provocação política, especialmente em contextos sociais marcados por discursos essencialistas e/ou fundamentalistas.
As construções com verbo-suporte (CVS) são ligações verbo-nominais com um significado único, por exemplo, 'zu Ende bringen' e 'ins Gespräch kommen'. Os verbos-suporte 'bringen' e 'kommen' podem formar CVS com os mesmos substantivos, de maneira que a CVS com 'bringen' na voz passiva e com kommen sejam sinônimas. O objetivo deste artigo é investigar as diferenças de significado entre essas duas CVS sinônimas que emergem da sintaxe através das metáforas conceptuais PROXIMIDADE É FORÇA DE EFEITO e MAIS FORMA É MAIS CONTEÚDO (LAKOFF; JOHNSON 1980). Para tanto, analisamos os dados da dissertação de mestrado de Pereira (2017), cujos corpora foram obtidos no Sistema de Gerenciamento e Análise de Corpora (Cosmas II). Concluímos que diferenças sutis de significado entre CVS formadas com ambos os verbos emergem das metáforas conceptuais citadas e que ambas permitem que a voz passiva de 'bringen' carregue mais significado que a CVS com 'kommen', a saber, o agente implícito. Além disso, as CVS também sofrem influência das metáforas conceptuais UMA AÇÃO É UM LOCAL e UMA AÇÃO É UM OBJETO.
Este artigo propõe-se a mapear, por meio de seus registros literários, alguns momentos da longa e ambivalente história do processo de integração e assimilação dos judeus à cultura austro-alemã - uma história que se inicia já nos últimos anos do século XVIII, e cujos reflexos literários reverberam século XXI adentro. A contraposição entre uma visão essencialista de cultura e outra fundamentada no conceito alemão de 'Bildung' é o princípio fundamental que opera nos diferentes desdobramentos desta história aqui analisados, e gera dúvidas e perplexidades ainda hoje significativas para o estudo da literatura austro-judaica.
O presente artigo busca investigar como a fotografia, técnica em expansão no início do século 20, se faz presente na escrita de "Contemplação" (1912), de Franz Kafka. A técnica se faz presente em outros textos em prosa do autor, mas em "Contemplação" Kafka incorpora a fotografia à escrita. Em cartas, o autor se refere ao conjunto de prosas curtas publicado em 1912 como um retrato pessoal muito mais fidedigno do que a própria técnica fotográfica seria capaz de produzir. A partir da análise textual da narrativa breve "O passageiro", ao lado das referências de Franz Kafka em seus "Diários e Cartas", desenvolve-se aqui a hipótese de que há uma íntima relação da escrita do autor com a nova técnica de então.
Este dossiê temático - organizado por dois professores universitários brasileiros de nascimento austríaco - cujas contribuições abordam a Áustria e sua literatura no Brasil e no mundo, reune quinze artigos de pesquisadores austríacos, alemães e brasileiros das mais várias áreas de Letras além de Filosofia e de História. A motivação pela sua organização é homenagear a recentemente fundada Coleção Austríaca da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que se entende como ponto de referência em assuntos de cultura, história e literatura austríacas em solo brasileiro e como porta-voz de cursos, eventos, exposições e projetos relacionados às mesmas.
Entre as viagens da escritora austríaca Ida Pfeiffer (1797–1858) esteve uma estadia de cerca de dois meses ao Rio de Janeiro, realizada em 1846. Seu relato dessa experiência no livro "Eine Frau fährt um die Welt", assim como os outros livros do gênero, alimenta um imaginário sobre o Brasil entre seus leitores europeus. Mas, além disso, apresenta vários dos imaginários da autora e de seus conterrâneos acerca do que encontraria no país. O presente artigo busca realizar um levantamento dos trechos em que esses imaginários ficam explícitos no relato da autora, tomando sua obra como uma fonte histórica dos imaginários europeus do século XIX acerca do Brasil.
Apresentam-se aqui as linhas-mestres de um modelo para projeto editorial de materiais didáticos destinados ao ensino de alemão em contextos universitários no Brasil. Contemplam-se o ponto de vista editorial, questões técnicas ligadas ao uso de tecnologia digital e uma concepção de ensino-aprendizagem que dê conta de uma justificação teórica do modelo apresentado.
Modelo de ensino-aprendizagem híbrido de alemão no Brasil : uma tendência contemporânea desafiadora?
(2021)
Neste trabalho, apresentamos uma pesquisa sobre crenças discentes a partir de dois cursos híbridos de alemão como língua estrangeira realizados por uma instituição de ensino de língua e cultura alemãs na cidade de São Paulo. Como arcabouço teórico, buscou-se apoio sobretudo em Barcelos (2001) e Almeida Filho (2013), entre outros autores dedicados às temáticas deste artigo. A metodologia de pesquisa apresenta análises qualitativas e quantitativas, baseadas em aplicação de questionário na perspectiva da Linguística Aplicada, focalizando as crenças dos estudantes a respeito do ensino a distância (modalidade EaD) antes e após a sua participação nos cursos. Constatamos que a busca por uma maior flexibilidade espaço-temporal e por uma redução nos custos de cursos tradicionais na modalidade exclusivamente presencial são fatores que motivaram a maior parte dos participantes da pesquisa a optarem pela modalidade EaD. Além disso, verificamos que parte da insatisfação com tal modalidade registrada dos entrevistados se deve a deficiências que eles identificaram na estrutura dos cursos e do ambiente virtual de aprendizagem, sendo que a plataforma utilizada nem sempre oferece recursos suficientes para desenvolver a necessária autonomia do alunado. Tal cenário reflete a problematização do uso das tecnologias em prol do desenvolvimento adequado do ensino a distância, bem como a necessidade de formação docente a fim de que seja possível encarar os novos desafios para o ensino-aprendizagem de línguas na modalidade híbrida.
O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar experiências envolvendo a postagem de perguntas e respostas na plataforma 'Yahoo! Clever' no ensino de alemão como língua estrangeira, focando nos aspectos da autenticidade de situações e do desenvolvimento da autonomia e motivação dos aprendizes. Para isso, foi apresentado o planejamento e a realização de uma sequência didática em um curso livre para público universitário do nível A2 (QECR). Além da descrição da sequência, foram analisados os resultados das atividades na forma de postagens no website, além de excertos de entrevistas com alguns aprendizes. A partir da análise desses dados, foi possível perceber que atividades envolvendo a plataforma podem criar situações autênticas, engajando os aprendizes a interagir com a comunidade do site de forma significativa, mas também podem ser encaradas pelos aprendizes de forma inautêntica, o que leva a postagens artificiais que podem acarretar respostas negativas por parte da comunidade. Por fim, discute-se o papel do professor em levar os aprendizes a refletirem sobre a interação em ambientes não controlados.
O presente estudo retrata uma experiência com uso do aplicativo móvel Duolingo no processo de ensino e aprendizagem de alemão como língua estrangeira em contexto de ensino presencial universitário e discute o emprego do App como recurso complementar para aumentar o contato dos aprendizes com o idioma e expandir o vocabulário. A pesquisa empírica parte da hipótese de que por ser um recurso gratuito, interativo, gamificado e que permite acesso ilimitado aos conteúdos, o aplicativo móvel Duolingo pode contribuir com a regularidade do contato com a língua e consequentemente ampliar o vocabulário dos aprendizes. Como instrumento de coleta de dados utilizamos os relatórios individuais de atividade, os quais foram gerados pela Plataforma Duolingo para Escolas. A pesquisa contribui para esclarecer as questões que se colocam acerca da utilização dos aplicativos móveis no ensino de língua estrangeira. Os resultados encontrados apontam que Duolingo é uma ferramenta que pode ser empregada para complementar o ensino presencial de alemão, auxiliando no processo de aquisição de vocabulário. O trabalho aponta para a importância dos Apps como ferramentas de apoio ao processo de aprendizagem de alemão e deixa claro a adesão massiva dos aprendizes ao uso de Apps como recurso complementar ao ensino presencial.
Mudando o ritmo das aulas de alemão como língua adicional por meio de músicas e mídias digitais
(2021)
O presente artigo tem o objetivo de discutir e descrever estratégias didáticas durante a realização de um projeto de música em uma disciplina de língua alemã como língua adicional (LA) em contexto universitário. Tendo em vista a importância da inclusão de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ensino de LAs, bem como da promoção do pensamento crítico-reflexivo, focado nos interesses e necessidades da(o)s aluna(o)s de Letras, o projeto de música foi realizado na plataforma Kahoot. Concluímos que as atividades contribuíram para o processo de ensino e aprendizagem em língua alemã, assim como para uma participação mais ativa e crítica por parte da(o)s estudantes.
Em sua "Selbstdarstellung" (2011 [1924]), Sigmund Freud (1856-1939), ressalta as origens judaicas e, nessa linhagem, o êxodo que marca sua família: percurso que desemboca em Viena e, posteriormente, em Londres, estação final. As marcas do exílio nos escritos freudianos reforçam o vínculo com o judaísmo, índice da herança paterna. O episódio do "gorro na lama", descrito na "Interpretação dos Sonhos" (2019 [1900]), como a humilhação do pai de Freud, Jakob, aos olhos da criança que aspirava a sonhos de grandeza, assim como o presente do Velho Testamento (DERRIDA 2001; YERUSHALMI 1992), abrem portas para outras questões centrais nas teorias freudianas. O pai, a "judeidade" (FUKS 2000), remetem às reflexões de Freud sobre religião, notadamente nas obras "Totem & Tabu" (2012 [1913]), "O Futuro de uma ilusão" (2014 [1927]), "Moisés e o Monoteísmo" (2018 [1939]). Dessas, o Moisés de Freud é o texto derradeiro, cujas raízes ligam-se ao povo judeu. Outros temas, como o anti-semitismo, as vantagens das "teses universalistas" da intelectualidade judaica, (SAID 2004), o isolamento e a resistência (GAY 1990) são igualmente importantes para os estudos psicanalíticos. Ser judeu é ser o Outro, e por isso, transitar pelo (des)território psicanalítico: da pulsão, da escuta das histéricas, da sexualidade infantil, da insistência da neurose, do valor do sonho.
A temática da decadência em "Os Buddenbrook: decadência duma família" é explícita: materializa-se enquanto subtítulo da obra literária. Em "Os Maias", repete-se a estrutura essencial do título anterior, focalizando-se um nome de família. Sabe-se, entretanto, de antemão, que o enredo contemplado pelo romance de Thomas Mann perpassará por episódios cujo desfecho está no desnodar decadente das gerações da família Buddenbrook, o que, ainda que não explícito, repete-se na obra de Eça de Queirós. Para concretizar de forma estética a temática pretendida, ambos os autores focalizam cada geração das famílias ficcionais, desnudando dialeticamente pensamentos e papeis sociais. Desse desnudamento, um traço se mostra compartilhado por quase todas as personalidades: a preocupação para com a perpetuação do nome da família; fardo que pressagia a total extinção de ambos os antropônimos. A fim de demonstrar a relação da nomeação com a temática da decadência familiar, este artigo propõe um diálogo entre a Literatura Comparada e a Antroponomástica Ficcional - estudo dos nomes ficcionais - e situa o processo da despersonalização subjetiva do nome de família para a concretização do ápice da decadência: o desparto social do nome.
Yoko Tawada é um dos nomes mais importantes da Literatura Contemporânea. Seu projeto literário trata das questões acerca da identidade através do processo de estranhamento. Em "Das nackte Auge" tem-se uma jovem garota vietnamita, cujo nome nunca é revelado, que, por conta de um engano, desembarca na cidade de Paris. Ela não fala francês e se vê incapaz de compreender o meio estrangeiro que a cerca. No entanto, encontra no cinema, mais especificamente nas personagens de Catherine Deneuve, um local de refúgio e identificação. Cada capítulo trata de um filme cuja narrativa progressivamente se mistura e influencia a narrativa da personagem. Já no primeiro capítulo, "Repulsion", uma referência ao filme de Roman Polanski, pode-se perceber diversos elementos comuns à obra fílmica e de fundamental importância na construção de "Das nackte Auge". Tal construção intermidiática é apresentada com o objetivo de suscitar questões acerca do sujeito contemporâneo e seu olhar (desnudado) sobre o estranho, o estrangeiro.
O artigo traz um estudo das vanguardas, tais como elas foram apresentadas ao leitor brasileiro por algumas das primeiras histórias da literatura alemã escritas em língua portuguesa. Três histórias brasileiras da literatura alemã (KOHNEN, 1948; CARPEAUX, 1967; ROSENFELD, 1993) são confrontadas com definições teóricas e textos historiográficos mais recentes, levando-se em consideração tópicos referentes às vanguardas, como origens, período de vigência, características inerentes e autores relevantes. De 1948 até cerca de 1970, período em que as três histórias foram escritas, percebe-se um crescimento na valorização das vanguardas e uma maior complexidade em sua apresentação. O fato pode ser atribuído a um desenvolvimento dos estudos de língua e literatura alemã no Brasil da década de 1960, bem como à formação mais ampla dos historiadores, que é visível em suas produções e biografias.
Nosso objetivo central é apresentar um estudo sobre Heinrich Schüler, cidadão teuto-brasileiro autor de um minucioso livro sobre o Brasil. Com sua ideia de "Brasil, um país do futuro", antecipou-se a Stefan Zweig em quase três décadas. Brasileiro naturalizado, Schüler foi representante consular do Brasil em Bremen e cônsul-adjunto em Hamburgo, onde também ministrou cursos sobre cultura brasileira para universitários. Baseando-nos em pesquisas feitas em jornais brasileiros e teuto-brasileiros, logramos compor uma imagem de Schüler que, como mostram as análises, transitava facilmente entre as diplomacias brasileira e alemã. Justamente por isso, era bem visto por uns, mas com suspeição por outros. Se, por um lado, mostrava-se um fiel cidadão da pátria que o acolhera, por outro, revelava-se um incansável defensor do alemanismo no Brasil. Defendia o envio de "sangue novo alemão" para terras brasileiras, para evitar que "as colônias de expressão alemã muito dispersas no sul do Brasil" tivessem de se mesclar "com os elementos estrangeiros". Diante do perfil de Schüler, conclui-se que, se Stefan Zweig tiver lido a monografia do cônsul como leitura preparatória, posteriormente deve ter-se chocado com as ideias políticas desse homem que flertaria com a intenção hitlerista de implantar células do 'Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei' (NSDAP - em português, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) em estados germanófonos brasileiros.
Este artigo apresenta uma leitura do filme alemão "Toni Erdmann" (2016), dirigido por Maren Ade, a partir da indagação a respeito dos modos através dos quais ele analisa os processos contemporâneos de modernização na Europa. Para tanto, será feita também uma reflexão sobre a apropriação que o filme faz de certos modos de encenação épica propostos por Bertolt Brecht. A parte final do artigo sugere uma aproximação entre o filme e a peça "Mãe Coragem e seus filhos" ("Mutter Courage und ihre Kinder", 1939).
O texto investiga os sentidos do isolamento na lírica de Mascha Kaléko. Interessa à abordagem em particular os significados sociais no tratamento do tema da solidão em algumas composições reunidas no título "Das lyrische Stenogrammheft", de 1933. O trânsito entre vida pública e privada, assim como as articulações daí resultantes, que tensionam os conflitos individuais no contexto da cidade moderna, organizam, aqui, os critérios de aproximação aos poemas. O objetivo é reconhecer na poesia da autora uma possibilidade de relacionar de maneira produtiva o momento presente e o potencial interpretativo implicado na representação da experiência da metrópole, partindo de Berlim, na República de Weimar.
Neste artigo intencionamos realizar uma análise contrastiva de ocorrências de partículas modais (doravante PM) em alemão, catalão, croata, francês e inglês, propondo uma classe de PM para o português brasileiro. Partimos de referencial teórico com base na pragmática e em teorias funcionalistas como suporte. Nosso principal objetivo é defender a existência de PMs no português brasileiro, sendo elas recursos linguístico-discursivos utilizados com a função de modalizar informações não explícitas durante a interação. Nesse sentido, as PMs ativariam pressupostos nas enunciações baseados em significados nucleares. Trata-se de estudo inédito por propor análises de palavras e locuções que ainda não foram classificadas como tal em gramáticas luso-brasileiras, salvo algumas poucas exceções. O presente estudo justifica-se pela dificuldade que essas PM apresentam tanto para o ensino de língua adicional, quanto para a tradução. A investigação e descrição das PMs alemãs e seus equivalentes funcionais em português, podem, portanto, oferecer caminhos para a compreensão de questões pragmáticas importantes para as trocas comunicativas e seus usos em sala de aula. Finalmente, levantamos a hipótese de que, embora exista uma evidente diferença de classificação dessas partículas em muitas línguas, as funções comunicativas das PMs em alemão podem encontrar semelhantes interpretativos e até equivalentes funcionais em português brasileiro.
O objetivo deste trabalho é analisar em que medida os procedimentos metodológicos de um estudo piloto são adequados para o desenvolvimento de uma pesquisa com foco no estímulo à criatividade de professores de alemão como língua estrangeira. O estudo piloto viabiliza a revisão das escolhas metodológicas, a avaliação da eficácia dos instrumentos e a adequação das fases previstas para a investigação proposta. Para a realização desse estudo, contou-se com a colaboração de três professores em formação no curso de Letras Alemão. Os materiais coletados incluem entrevistas semiestruturadas, relatos em áudio sobre as aulas ministradas ('lautes Erinnern'), relatos coletados durante um workshop e um encontro final para avaliação do percurso realizado. Como suporte teórico, as premissas da abordagem reflexiva são retomadas, contrapondo-as a demandas recentes. Após a análise dos procedimentos selecionados para incentivar a reflexão, conclui-se que as escolhas metodológicas foram adequadas e permitiram o levantamento de fatores determinantes para o delineamento da pesquisa oficial. Por meio dos instrumentos empregados, os professores em formação identificaram problemas, apontaram soluções e avaliaram as consequências de suas escolhas durante os relatos individuais e no planejamento colaborativo, gerando suas próprias teorias ao procurar compreender a prática.
Neste artigo abordamos o pluricentrismo da língua alemã através de uma revisão da literatura sobre o tema que privilegia os estudos sobre variantes e variedades do alemão. Após uma retrospectiva histórica, a partir de uma noção pluricêntrica para o ensino de Alemão como Língua Estrangeira, apresentamos uma proposta para análise de material didático a partir de seis categorias. Três categorias são baseadas no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: competência, tema e tipo de fonte textual, e três se referem às questões de base do 'DACH-Prinzip': tópicos discursivos de pluricentricidade, abordagem e variedade pluricêntrica. Os resultados da implementação da análise com as categorias propostas apontam para uma relativa incipiência da conscientização da língua alemã como língua pluricêntrica em uso em diferentes centros.
Historiadora do cinema, Miriam Hansen examinou e sistematizou as contribuições de Siegfried Kracauer, Walter Benjamin e Theodor Adorno para a teorização do cinema. Nesta pesquisa bibliográfica, buscamos sintetizar e apresentar aos leitores de língua portuguesa o desenvolvimento de sua investigação sobre o tema. Mostramos como Hansen foi capaz de identificar as principais diferenças entre os teóricos frankfurtianos, bem como evidenciar que eles, em comum, pensaram este fenômeno cultural contemporâneo em relação às condições sociais e econômicas de produção. Em suas reflexões, o cinema aparece como expressão da sociedade urbano-industrial, como um elemento sintomático da cultura de massa.
Rezension zu Euba, N.; Warner, C.; Dobstadt, M.; Riedner, R. (org.). Literatur lesen lernen: Lesewerkstatt Deutsch 2. Leipzig: Ernst Klett Verlag, 2017.
O presente texto apresenta uma reflexão sobre a educação dos sentidos a partir do estudo das obras “A indústria cultural” de Theodor W. Adorno e “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” de Walter Benjamin. Primeiramente apresentamos uma breve contextualização histórica sobre o período no qual se desenvolveram os referentes textos. Em seguida buscamos demonstrar através do pensamento de Walter Benjamin como a arte passou a educar os sentidos das classes trabalhadoras a partir da sua reprodutibilidade técnica. Nas considerações finais, apontamos a importância da leitura de ambas as obras para possíveis reflexões acerca da formação do discurso nas tomadas de decisão social e cultural na atualidade. Como também buscamos compreender a função política da arte na formação crítica do sujeito.
Este artigo pretende analisar o efeito da operação de enquadramento editorial levada a cabo pela Editora Sur, vinculada à Revista Sur, na circulação do repertório frankfurtiano na Argentina da década de 1960. Ao traduzirem e divulgarem autores como Adorno, Horkheimer e Benjamin, a partir de sua posição específica no campo cultural argentino, a coleção Estudios Alemanes contribui para que seus autores sejam desvinculados da tradição marxista e alocados em uma categoria mais ampla de “pensamento alemão”. Com isso, a circulação desses autores fica restritra a certo público, já cativo da perspectiva teórica e política da Revista Sur. Neste artigo, descrevo a coleção nos marcos da difusão mais ampla da tradição alemã no campo letrado argentino, atentando para os deslocamentos de prestígio que ela mobiliza e, sobretudo, para a composição de uma “atitude intelectual” que, a despeito do conteúdo dos textos em circulação, condiciona a recepção e ressignificação dos textos frankfurtianos.
O presente trabalho, de natureza teórica, analisa fragmentos dos escritos de Theodor W. Adorno (1903-1969) e Jean-Paul Sartre (1905-1980) e destaca reflexões para a pesquisa sociológica no campo da Educação, considerando a inflexão que ambos propõem em “direção ao sujeito”. De modo mais específico, realizamos uma leitura de como cada autor refletiu sobre sua própria infância e educação, buscando articular a reflexão autobiográfica que cada um realiza, de diferentes formas, ao núcleo duro de suas concepções teóricas. Ao observarmos como cada autor, na condição de adulto, rememora de forma sistematizada (na filosofia ou na literatura) sua própria infância, refletindo, entre outros aspectos, sobre a condição social de suas famílias e da classe burguesa, a relação com os adultos e com os artefatos (culturais e tecnológicos) de sua época, incluindo a escolarização, podemos também perceber elementos de suas concepções teóricas sobre a subjetividade e de suas análises sobre as vicissitudes do sujeito no contemporâneo. Enquanto que, para Sartre, a infância emerge no âmbito de uma concepção restauradora da narrativa como mediadora da experiência, em um processo, sempre ainda aberto, de transformação da existência, para Adorno, a rememoração sobre sua infância se articula às temáticas da pátria (não como território, mas como humanidade) e da utopia e se coloca como possibilidade de releitura das singularidades das experiências infantis como forma de confrontação e atualização das promessas contidas no passado.
O artigo trata da “Filosofia da Nova Música” de Theodor Adorno e tem como problema de investigação saber quais são os valores estéticos apresentados pelo autor para identificar Schoenberg como o representante do progresso musical. Como objetivos específicos para esse trabalho foram definidos: a identificação das principais características estéticas nas obras musicais de Stravinsky e de Schoenberg e apontar alguns fundamentos filosóficos para diferenciar progresso e regressão na estética musical de Adorno. Ao caracterizar sua concepção estética como filosofia da arte, Adorno toma a produção e a recepção como expressões de uma relação dialética com o meio social e tece críticas especialmente a indústria cultural e a arte burguesa que tinham como propósito agradar o ouvido e permitir que os produtores e receptores estabelecessem uma relação de troca no mercado capitalista. Por isso, sua estética está assentada na crítica e na possibilidade de criação dissonante e autônoma, análises que foram realizadas no âmbito desta investigação que tem como foco a questão da música enquanto objeto estético de progresso ou regressão da audição.
Este artigo tem por objetivo analisar comparativamente as semelhanças contidas nas críticas à democracia liberal presentes em alguns trabalhos selecionados de Carl Schmitt (1888-1985) e Robert Kurz (1943-2012). A despeito da estreita associação do primeiro autor com o regime nazista após 1933 e do segundo ser normalmente caracterizado como um pensador marxista (embora bastante crítico ao marxismo “ortodoxo”), são verificáveis inúmeras similitudes entre ambos quando se propõem a analisar as características do liberalismo parlamentar das democracias do século XX. Uma hipótese que pode explicar tais semelhanças seria a influência exercida por Schmitt sobre diversos teóricos da escola de Frankfurt, com os quais Kurz frequentemente dialoga em seus escritos e que foram inspiradores de algumas de suas reflexões – em especial, Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer, embora Schmitt também tenha influenciado Franz Neumann, Otto Kirchheimer, Karl Korsch e Herbert Marcuse. Outra via de interpretação abordada aqui se refere à possibilidade de Schmitt ter encontrado, em suas teorias sobre o Estado e sobre o direito, os limites epistemológicos do liberalismo moderno, o que constitui o principal objeto de pesquisa de Kurz e foi tema recorrente nos escritos dos teóricos de Frankfurt.
A concepção de indivíduo na sociedade administrada é analisada por Horkheimer e Adorno (1973), no ensaio Indivíduo no livro Temas Básicos da Sociologia, cujo método de exposição instiga à reflexão sobre a concepção de indivíduo e as possibilidades de formação e educação na sociedade administrada, demonstrando que a concepção de indivíduo na Filosofia ora tendia para uma ênfase na subjetividade em detrimento das condições objetivas sociais, ora tendia à totalidade social, negligenciando a singularidade do indivíduo. Em seguida, estabelecem articulações entre as diferentes esferas complementares (indivíduo e sociedade) e as consequências sobre a formação do indivíduo e a educação na contemporaneidade, problematizadas por Adorno (2000), em sua obra Educação e Emancipação, quanto às suas possibilidades e limites na sociedade administrada.
Neste artigo trataremos de entender quais foram as principais propostas de Theodor W. Adorno, filósofo alemão e membro da Escola de Frankfurt, para a educação de seu tempo. A partir de uma análise, mesmo que marginal, de parte do conjunto substancial de seus escritos, palestras, entrevistas e debates, sobretudo da obra em conjunto com Horkheimer, “Dialética do Esclarecimento” e dos ensaios de “Educação e Emancipação”, este texto evidencia os pressupostos do pensamento adorniano, pautado na teoria crítica da sociedade, e elucida suas reflexões na tentativa de propor que a educação fosse mais política e baseada no esclarecimento e na emancipação. Modicamente, buscamos pensar a atualidade e a urgência de suas reflexões para o campo educacional contemporâneo.
O presente objeto de pesquisa busca proceder ao estudo e identificação dos traços essenciais envolvidos na abordagem teórica das relações sociais e políticas trazidas na obra O Direito da Liberdade do filósofo alemão Axel Honneth. Faz-se uma análise da influência hegeliana sobre o conceito de liberdade, assim como dos fatores relacionados com o suprimento das carências subjetivas, mediadas pelas diferentes “esferas” sociais. Honneth, assim, procura trazer à tona a compreensão de um novo modelo de liberdade advindo da Filosofia do Direito de Hegel, o qual se distingue substancialmente dos modelos tradicionais. O autor busca evidenciar a limitação das teorias da justiça de tradição liberal, invocando a necessidade de uma visão integrada das relações sociais experimentadas nas esferas referidas por Hegel, concebendo-se uma experiência concreta de liberdade social. Nesse sentido, evidencia-se o caráter interdisciplinar e emancipatório do método de reconstrução normativa como base teórica para a justificação pública nas sociedades modernas.
O foco do presente artigo é a análise do romance "Die Liebhaberinnen" ("As amantes", 1975), de Elfriede Jelinek. Com vasta obra que transita por diversos gêneros (poesia, romances, ensaios, peças teatrais, libretos), a escritora austríaca ainda é pouco traduzida no Brasil. Contudo, a despeito disso, notamos uma presença signficativa de trabalhos acadêmicos sobre os escritos de Jelinek. Único prêmio Nobel austríaco (entre uma longa lista de outros prêmios literários), concedido a uma mulher, figurando dentre outras dezesseis agraciadas, a escritora segue execrada pela mídia. Parte da geração que adere ao 'Anti-Heimat Roman' (romance anti-pátria), sua veia ácida, a ironia com que costura as narrativas a faz compartilhar da herança literária de nomes como Karl Kraus e Thomas Bernhard. A obra em questão repete o formato encontrado em outros textos jelinekianos - a história descortina-se a partir de tensões. O plano crítico da narração denuncia a pequenez de existências que seguem insensíveis na direção de destinos previsíveis e que atendam às forças conservadoras e patriarcais. No projeto estético de Jelinek, a língua alemã é um elemento de transgressão, como na grafia de substantivos em letras minúsculas, o uso de aforismos e repetições. Em comunhão com essa língua que questiona o status de um narrador patriarcal, a voz que narra distancia-se do narrado, paira sobre o texto, fria e indiferente. Os personagens aproximam-se de tipos, joguetes sobre um tabuleiro determinista. Da leitura do romance, destacamos a estrutura binária sexista e generificada que perpassa toda a obra, resultando numa permanente disputa entre homens e mulheres, inimigos irredutíveis, cada qual vigilante por seu espaço doméstico e pela manutenção das vantagens inerentes a seus papéis sociais. Essa dicotomia problematiza questões que configuram o arcabouço de influências estéticas e ideológicas da autora, tais como o feminismo, o marxismo e os movimentos de 1968. Nesse sentido, acreditamos no potencial transgressor e demolidor que perpassa a obra, a ponto de configurar uma estética feminista própria.
Analisando convergências entre o uso da tradução no ensino de línguas e a prática com livros de leitura facilitada (LLFs), postulamos que a facilitação que constitui esses livros pode ser vista como uma forma de tradução, conhecida por mediação linguística (em alemão, 'Sprachmittlung'). Para aprofundar os estudos sobre os LLFs e considerando o interesse dos aprendizes de alemão como língua estrangeira pela literatura em língua alemã, analisamos uma obra facilitada para nível B1 e a comparamos com o texto original. A obra escolhida foi "Die Verwandlung", de Franz Kafka, adaptada por Achim Seiffarth (2003). Utilizando ferramentas computacionais, geramos dados quantitativos ligados à linguística de corpus, buscando verificar em que medida o perfil lexical e as características estruturais dessa obra contribuem para a facilitação do texto. Como resultado, entendemos que o livro de leitura facilitada (LLF) analisado aproxima os aprendizes do texto e pode contribuir para a expansão de seu vocabulário, realizando, portanto, a mediação linguística. Além disso, os LLFs tornam possível a leitura de clássicos da literatura em língua alemã nos estágios intermediários de aprendizagem dessa língua, que de outra forma seria difícil ou impossível.
A representação da imigração alemã em "A Ferro e Fogo: I. Tempo de Solidão", de Josué Guimarães
(2020)
O presente artigo tem como objetivo analisar a representação da imigração alemã no romance "A ferro e Fogo: I. Tempo de Solidão", de Josué Guimarães. A narrativa ficcional acontece nos primeiros anos da imigração alemã no sul do Brasil (1825). A análise está pautada em três pontos: a relação de imigrantes alemães com outros grupos étnicos (a saber, negros escravizados, índios e castelhanos), a representação da mulher na narrativa (principalmente em relação ao poder de dominação e às diferenças étnicas) e, por último, as questões políticas e religiosas. Imigrantes alemães eram obrigados ou simplesmente destinados a um lado político, a uma determinada religião. Pelo posicionamento político, acabavam destinados à frente de batalhas em guerras. Na obra de Josué Guimarães podemos ver os dois lados da imigração alemã: a chegada sofrida com inúmeras dificuldades enfrentadas pelos imigrantes e também o aproveitamento que muitos fizeram da política governamental de embranquecimento da população brasileira. Através desta análise procura-se entender também o papel do descendente de imigrantes alemães na contemporaneidade.
A "Revista Contingentia", Revista do Setor de Alemão da UFRGS em parceria com a UFPel, publica artigos tanto da Linguística como da Literatura, com o objetivo de oferecer uma maior visibilidade ao leitor brasileiro acerca das produções teóricas relacionadas à Germanística desenvolvidas no meio acadêmico brasileiro e internacional. Além disso, a "Revista Contingentia" seleciona artigos voltados para os estudos da tradução, assim como aspectos linguísticos e pedagógicos do ensino de alemão como língua estrangeira (DaF). Ela também publica traduções comentadas e oferece espaço para resenhas. O presente número é de temática livre.
Este artigo tem como objetivo propor a elaboração de uma unidade didática (UD) para a aula de língua alemã em uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental, levando em consideração a realidade de uma escola pública de Porto Alegre/RS e tendo como ferramenta principal o gênero textual história em quadrinhos. Para alcançar tal objetivo, primeiramente busca-se entender o conceito de letramento relacionado à escola contemporânea - com base nos estudos bakhtinianos, bem como nos de Magda Soares (2004; 2009) e de Angela Kleiman (2008; 2014) -, a fim de compreender qual é o papel da escola na formação de sujeitos letrados que sejam capazes de participar do mundo e de se expressar nas diversas situações do dia a dia. Também é apresentada uma escola da rede pública de Porto Alegre que oferece a língua alemã em seu currículo, a fim de entender de que forma o ensino do alemão vem sendo abordado. A partir dessa realidade local, a UD foi produzida seguindo os princípios de ensino-aprendizagem de língua adicional de Schlatter e Garcez (2012) e apoiando-se no modelo de UD apresentado pelo documento "Lições do Rio Grande", que são os referenciais curriculares lançados pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul em 2009.
É próprio do conto de fadas ser ilustrado, encenado, reinventado e adaptado de várias maneiras, com destaque para suas recriações verbovisuais na forma de livros ilustrados de contos de fadas. No presente trabalho, analisamos a obra metatextual e metaficcional "Caperucita Roja (tal y como se lo contaron a Jorge)", de Luis María Pescetti e Alejandro O’Kif, em comparação com o conto "Chapeuzinho Vermelho", dos Irmãos Grimm, ao qual se refere diretamente e reproduz de forma traduzida e adaptada. Como toda obra metatextual e metaficcional, a textualidade em questão enseja inúmeros questionamentos a respeito da obra de referência, o conto dos Grimm, o qual termina avaliando criticamente. Veremos como, em "Caperucita Roja", a estrutura formal do conto de fadas dos Irmãos Grimm, caracterizada pela abstração, planicidade, lógica intuitiva e magia naturalizada, é tematizada, bem como a 'Verwandlungsfähigkeit' da narrativa original.
Walter Benjamin escreveu muito sobre cidades e arquitetura ao longo de sua obra. Seja em jornais de viagens, em ensaios dedicados a determinadas formações urbanas, em textos autobiográficos, na sua teoria do 'flâneur', ou em sua teoria estética, as cidades sempre estiveram em um local central. A cidade ideal de Benjamin não é clássica, "bela", mas, antes, marcada pela circulação de pessoas, pela "interpenetração" ('Durchdringung') e pela "porosidade". Essa cidade perfurada se metamorfoseia em sua própria filosofia da história, já que pare ele também o tempo é poroso.
As abordagens descritiva e funcional dos Estudos da Tradução contribuíram para o que se convencionou chamar de "virada cultural" ao propor formas não prescritivas de abordar a tradução e redirecionar o foco do estudo para o contexto de recepção. Analisamos neste artigo alguns dos principais aspectos das abordagens, a fim de localizar pontos em comum e divergências em suas teorias. Partiremos da análise de suas propostas gerais e, em seguida, será feita a comparação das principais contribuições de Gideon Toury e Christiane Nord aos Estudos da Tradução, buscando compreender melhor as propostas das duas vertentes. Por fim, trataremos da aplicação das teorias descritivistas e funcionalistas nas pesquisas sobre tradução, com base na análise de dissertações e teses.
A dimensão cômica é um aspecto negligenciado na recepção brasileira da obra de Elfriede Jelinek, embora venha ganhando cada vez mais destaque em trabalhos acadêmicos internacionais. O propósito deste trabalho é argumentar que o potencial cômico não é um fator secundário na obra da escritora austríaca, mas essencial no âmbito de seu projeto político-esclarecedor. Nesse sentido, este artigo apresenta possíveis aproximações a diversas categorias do cômico que podem ser identificadas em textos teatrais de Jelinek. A argumentação baseia-se em quatro peças teatrais, todas tematizando o papel da mulher numa sociedade patriarcal e capitalista.
A pedagogia iluminista procurou debater os meios de se educar o ser humano para o bem e para a independência intelectual, fundando os pressupostos dessa formação nas leis morais do bem supremo. Para tanto, a filosofia da época usou como parâmetro de sua pedagogia a total responsabilidade do ser humano por seus atos, o que acarretou na imprescindibilidade de uma formação que operasse na natureza humana uma transformação positiva, pautada na máxima do bem moral. Inicialmente adepto a esta proposta, Heinrich von Kleist, logo após sua famosa "crise kantiana", passou a contestar o modelo de educação iluminista a partir de um viés cético, pois, para o autor, a nova visão de realidade aberta pelo criticismo kantiano evidenciou os fracassos dessa pedagogia. Sob este novo ponto de vista, as noções de liberdade e de moralidade ganharam uma nova caracterização, já que se tornou impossível para Kleist determinar quais seriam os resultados desses projetos educacionais na conduta humana. Diante deste cenário, analisaremos, neste artigo, dois textos exemplares de como esta discussão foi transposta pelo autor para a literatura: em "Allerneuster Erziehungsplan", Kleist inverte a lógica desta educação ao propor uma "escola de vícios", enquanto que, em "Der Findling" (1811), o autor contesta os valores morais burgueses da família e do bem supremo, desembocando em um texto repleto de violência e de maldade.
Em meio à paisagem montanhosa dos Alpes suíços, um sanatório para doenças respiratórias. As muitas tosses ali em longo tratamento não possuem compromissos mais sérios que não sejam seguir o horário habitual das refeições e dos repousos. Diante desse meio espacialmente estagnado e temporalmente hermético de "A montanha mágica", de Thomas Mann, a liberdade mostra-se amortecida. Não nos referimos, evidentemente, à liberdade criativa do autor alemão, cuja prova de grandeza é o romance em si, tampouco à liberdade interpretativa do leitor, mas à liberdade - ou, antes, sua atenuação - problematizada pelas personagens dessa longa história. É o caso do jovem protagonista Hans Castorp, cujo aprendizado a respeito do tema paradoxalmente ocorre durante sua estada num lugar que sequestra sua liberdade. Isso se dá não apenas porque a personagem principal é incapaz de eleger, sem constrangimentos, os valores que embasam suas escolhas, mas também porque isso é dificultado pela situação espaçotemporal anômala ou, segundo o título, "mágica" da montanha. Como essa problemática é apresentada narrativamente, por meio de alguns índices de liberdade - ou seja, elementos que modificam, para as personagens e para o leitor, a indeterminação da narrativa -, é o que queremos apresentar.
Publicada em alemão no ano de 2000, a coletânea "Post Bellum" de Dragica Rajčić trata das memórias da guerra nos Bálcãs e do princípio de alteridade experimentado pela voz lírica. Este artigo tem por objetivo discutir três poemas dessa coletânea: "suisse like home", "Hunderste gedicht ohne trenen" e "Ein Haus, nirgends". Com foco na figuração da casa, o artigo inicia com uma discussão teórica do conceito de casa e passa a discutir os poemas e as imagens da casa, com interesse, sobretudo, na questão do pertencimento.
"Quem ama não dorme" ("Schlafes Bruder") é o primeiro romance do escritor austríaco Robert Schneider, publicado em 1992. Ele conta a história de um prodígio da música, nascido em um vilarejo no início do século XIX. Este artigo tem como objetivo refletir sobre a série de empecilhos que impedem o protagonista, Elias Alder, de alcançar sucesso profissional e pessoal, tendo em vista as limitações da comunidade. O romance condensa características modernas e pós-modernas, como a fragmentação identitária, a ironia, o estranhamento e a quebra da linearidade narrativa.
Mais de duzentos anos após sua primeira publicação, a obra "Os Sofrimentos do Jovem Werther" é ainda capaz de despertar sentimentos e opiniões diversas, muitas vezes conflitantes, ao tratarmos do jovem que morreu de amor na recusa de uma vida marcada por privações, que o impediam de concretizar um desejo tão genuíno. O romance epistolar do então jovem escritor Johann Wolfgang von Goethe hoje conta com algumas releituras, paródias e três adaptações para o cinema. Sabemos, certamente, que "Werther" foi responsável por consolidar, na literatura, uma revolução, lançando para o mundo umas das manifestações artísticas nacionais e autênticas do povo germânico, que já não se pautava nos clássicos moldes importados da França, como já nos apontava a Dramaturgia de Hamburgo, de Lessing. Seja por sua enorme repercussão, em escala global, seja pela trama memorável, guiada pelo sentimentalismo exacerbado de seu protagonista, a produção é, por vezes, relembrada como ponto de virada para o início do Romantismo na Europa, sendo denominada por parte do público e crítica como "pré-romântica". No entanto, a partir de sua integração em um contexto artístico-literário exclusivamente alemão, o Sturm und Drang, essa obra será analisada tanto em sua relação intrínseca com os preceitos adotados por muitos artistas do período, quanto em uma possibilidade de leitura outra, que se abre a partir daí: a construção de um caráter crítico às configurações sociais da época, feita por Goethe, logo em seu primeiro trabalho de grande sucesso. Veremos que, utilizando-se das características dominantes do movimento referido, isto é, a expressão dos sentidos, das paixões, das emoções consolidadas no espírito libertário da segunda metade do século XVIII, a narrativa pode então direcionar-se para o questionamento daquilo que retrata, especialmente a figurativização de Werther como herói ideal e revolucionário, dadas as circunstâncias sobre as quais a diegese se constrói, como a focalização e voz narrativa que gradativamente postulam o caráter dúbio e contraditório do protagonista através do romance.
O modo como a mídia representa migrantes e refugiados desempenha um papel importante na percepção e recepção desse grupo em seu novo país (Ferreira/ Flister, 2019). Este estudo visa a problematizar o olhar da mídia online sobre imigração e refúgio no quadro de uma discussão sobre o tema a partir de uma perspectiva teórica da linguística cognitiva, por meio da análise de metáforas conceituais utilizadas por dois jornais online (um brasileiro e outro alemão) em torno da conceitualização do termo 'refúgio' ('Flucht' em alemão). Este estudo foi desenvolvido com apoio de metodologia da linguística de corpus. Nosso objetivo é contrastar os usos linguísticos em dois contextos culturais e pragmáticos distintos, i.e. a cultura brasileira e a cultura alemã respectivamente, por meio da análise de mapeamentos metafóricos sobre refúgio e imigração na mídia online através de enquadramentos metafóricos presentes nesses jornais. Algumas questões que pretendemos responder são: Que frames e que metáforas surgem na mídia online brasileira e alemã, a exemplo dos jornais online "Folha de São Paulo" (FSP), no Brasil, e o jornal online "Frankfurter Allgemeine Online" (FaZ) na Alemanha, para representar o conceito refúgio? Quais são suas implicações? Os resultados apontaram o uso de frames e metáforas do domínio experiencial DESASTRES/ FENÔMENOS NATURAIS com conotação negativa como 'ondas de imigração', 'avalanche imigratória', 'Flüchtlingsströme' ('correntes de refugiados') e 'Flüchtlingsbestie' ('monstro refugiado').
Contrariamente ao que se possa supor, a concepção de 'literatura menor', tal como nos é apresentada por Deleuze & Guattari (2013), não contempla uma forma literária de menos prestígio. 'Menor' é a literatura que emerge com força de potência capaz de abalar as estruturas de um modelo literário imposto como maior. Nesse sentido, atribuir a Kafka uma leitura que perpasse essa perspectiva é reconhecer o carácter de desterritorialização de seus feitos. A relação do autor com a língua é uma forma interessante de ilustrar isso: na impossibilidade de escrever em outra língua que não fosse o alemão, conforme posto aos judeus de Praga, o que resulta é uma língua desterritorializada, tão política quanto o modelo literário que essa produz. Além do mais, as personagens que transitam pelo universo kafkiano nos dão pistas do compromisso com o social, tão presente no que é literário e 'menor', seja pela denúncia ao excesso de burocracia que pune cidadãos comuns, seja pela figura paterna constantemente representada como autoritária. Nessa continuidade, há ainda a menção à relação conflituosa que o autor manteve com seu pai, a qual lhe rendeu uma carta, publicada no ano de 1919, sob o título "Brief an den Vater" ["Carta ao pai"], e cujo intuito era tornar o pai ciente do peso negativo de suas ações sobre a vida dos filhos. Essa obra norteará nosso trabalho, enquanto objeto de análise, sobretudo porque a partir dela podemos enxergar a transição do autor de Édipo neurótico a Édipo perverso, em consonância com as contribuições de Lacan, além da riqueza de elementos contida nela, que nos permite desenvolver sobre a homofonia entre o 'Nom du Père'/'Non du Père',a representação do "não" do pai foucaultiano.
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir a tradução do texto "Die Lesung" (In: HELMINGER, Guy, 2001, p. 84 a 95), que esteve dentre os contos traduzidos pela autora na prática de "Estágio Supervisionado do Alemão I". Guy Helminger, o escritor traduzido, é luxemburguês de nascença e cosmopolita de profissão. De suas viagens e estadas pelo mundo, publicou, entre outras obras, "Die Allee der Zähne: Aufzeichnungen und Fotos aus Iran" (2018) e "Die Lehmbauten des Lichts: Aufzeichnungen und Fotos aus dem Jemen" (2019). "Rost", um de seus livros de contos, teve a primeira edição publicada em 2001, agraciada pelo Prix Servais em 2002, e a reedição publicada em 2016 (CAPYBARABOOKS e CONTER E JACOBY (200[2?])). "Die Lesung" ("A sessão de leitura") compõe a segunda parte do livro, que é dividido em três. O conto narra em onze agoniantes páginas as peripécias enfrentadas por Robert Fritzen em uma sessão de 'leitura de obra pelo próprio autor'. Impressionado pelo estofamento das cadeiras ou distraído por tossidas e fios de cabelo, Fritzen é engolido por neuras. Se o texto deve qualquer parte do seu valor estético à irritação que pode/tenta causar no leitor, traduzi-lo esteve, pelo contrário, longe de ser irritante: Helminger apresenta um texto desfrutável, mesmo sem contar com nenhum acontecimento trágico (como nos demais textos do livro). Dentre as dificuldades de tradução, se destaca o desfio de manter a linguagem realista, como caracteriza Weidner (2002), na descrição de eventos que beiram o surrealismo - ou a loucura.
Ao formular as três etapas do destino histórico do Ocidente em "Cristandade ou Europa", Novalis oferece a promessa de uma síntese futura entre a Idade Média e o Iluminismo na figura do erudito alemão romântico. Nele, o entusiasmo científico e filosófico irá ao encontro do arrebatamento místico e poético, em vez de o combater. Ele reconciliará arte e ciência, mundo sensível e espiritual, natureza e história, sagrado e profano. Já no romance "Os discípulos de Sais" há uma série de correlações vertiginosas entre natureza, espírito, corpo e história que não podem ser feitas por um cientista. Só podem ser geradas pelo poeta, o único que compreende o sentido da natureza. O artigo pretende mostrar o quanto o ideal de reencantamento dos dois livros está ligado ao saber analógico renascentista que, segundo Hartmut Böhme, introduz uma semiologia da natureza baseada em vínculos de semelhança entre as coisas. Se, na Renascença, é o filósofo natural que decifra a assinatura das coisas, em Novalis é o poeta que faz da linguagem a chave do reencantamento e da liberdade. O artigo termina refletindo sobre o conflito entre ilusão e realidade na poesia moderna.
Filipe Melanchthon é uma das figuras proeminentes na Reforma e no Humanismo renascentista alemães, embora no Brasil esta segunda característica não seja muito bem conhecida. Sua obra como um todo tem uma base teológica com a qual ele pretendia também favorecer os estudos acadêmicos, principalmente, mas não só, no que hoje é chamado de Ciências Humanas. O presente texto mostra como ele utilizou a distinção teológica entre lei e evangelho para configurar o espaço das então assim chamadas 'artes' na universidade pré-moderna alemã tardia. A ênfase aqui está nos estudos literários e linguísticos e na abordagem ética deles, favorecida por ele.
Este artigo propõe-se a analisar a trajetória do escritor austríaco Fritz Kalmar e seu conto "Der Austrospinner" ("O austro-louco"), incluído na antologia "Das Herz europaschwer", de 1997, à luz das identidades surgidas no contexto da emancipação e da assimilação judaicas na Áustria. Georg von Winternitz, protagonista desta narrativa, encarna, em seu exílio boliviano, os fundamentos de uma identidade austríaca cultivada na velha Monarquia Habsburga, legatária do Sacro Império Romano Germânico, e organiza sua existência no novo país de acordo com valores éticos e com princípios católicos, humanistas e universalistas, cultivados, sobretudo, por literatos austríacos do fim do século XIX e do início do século XX, que se dedicaram à construção da identidade imperial austríaca. Esse sistema de valores, particularmente caro aos judeus austríacos da época do Kaiser Franz Josef, revela uma surpreendente sobrevida nos Andes bolivianos depois de 1938. Ao adotar um menino indígena que está em vias de tornar-se um ladrão, esse personagem não só pretende educá-lo como, sobretudo, pretende fazer dele "um austríaco", o que significa, para o personagem, nele instilar um sistema de valores vinculado à extinta Áustria imperial. A discussão sobre esse conceito, "o austríaco", presente na literatura austríaca do século XIX e do início do século XX, é trazida à tona para tentar compreender o que se encontra por trás deste projeto. Para além dessa questão surge, ao longo da narrativa, uma alusão ao fato de que tanto o narrador quanto o protagonista da narrativa são descendentes de judeus que também "se tornaram" austríacos. "Tornar-se austríaco", assim, e com isto o conceito de 'gelernter Österreicher', temas inextricavelmente ligados ao processo de emancipação e assimilação judaica na Áustria do século XIX, são questões que ressurgem, de forma distópica e anacrônica, na Bolívia dos anos 1950, na trajetória de Kalmar tanto quanto na de seu personagem.
Hans Keilson faz parte do numeroso grupo de escritores de língua alemã que publicou entre as décadas de 1930 e 1950 obras sobre a Segunda Guerra Mundial e temas tangentes. Reconhecido tardiamente, Keilson escreveu romances, autobiografia e ensaios em que se confundem suas experiências, seu conhecimento técnico como psicanalista e a ficção. Neste artigo propomos uma leitura da novela "Comédia em tom menor" ("Komödie in Moll"), destacando a empatia como chave fundamental para leitura da obra, a focalização como expediente narrativo para alcançá-la, e a presença de elementos cômicos imiscuídos à realidade grave e por vezes trágica que é construída no conto.
Experiências migrantes, embora distintas, são geralmente acompanhadas de uma sensação de exílio e ainda que seja comum pensar o exílio como uma condição político-geográfica, na qual o sujeito é ou se vê obrigado a permanecer distante do seu lar e das suas origens, ele pode, na verdade, assumir outras formas. Entre estas, é possível citar o exílio físico - quando o sujeito, independente da sua localização espacial, sente-se exilado em função do seu gênero ou da sua etnia, por exemplo. Outra forma de exílio é o exílio linguístico - quando o sujeito se encontra em uma situação na qual escolhe - ou, por alguma razão, precisa - produzir e se comunicar em uma língua que não a sua primeira. Comum a todas as formas de exílio está a estreita ligação que estabelecem com a noção de hospitalidade e também com a noção de exofonia, que se relaciona à escrita de autores que vêm de todas as partes do mundo e, ao mesmo tempo, não pertencem a lugar nenhum e que são levados a escrever em outras línguas, além da sua primeira. A escrita exofônica evidencia um deslocamento que é sim político e geográfico, mas é ainda ‒ ou ainda mais que isso ‒ linguístico, textual, identitário, inserindo esses autores no que Ottmar Ette (2005) denomina literatura sem morada fixa ['Literatur ohne festen Wohnsitz']. A partir da análise do conto "Ein Gast" ["Um hóspede"] - obra de Yoko Tawada, na qual a protagonista japonesa vivencia uma série de estranhamentos em relação ao outro alemão, evidenciando o caráter central das noções de exílio e hospitalidade -, serão analisadas e discutidas a íntima relação entre essas noções bem como a centralidade do papel que a exofonia desempenha nessa dinâmica. Essa análise será realizada com base as reflexões teóricas de Jacques Derrida e da própria Yoko Tawada, entre outras.
A emancipação do indivíduo (e, mais precisamente de um tipo específico de indivíduo, a saber, o "burguês") é o principal ponto de convergência entre duas obras da literatura europeia setecentista (seja insular, britânica, seja continental, alemã). São elas: "Robinson Crusoé" (1719), de Daniel Defoe, e "Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister" (1795-1796), de Johann Wolfgang von Goethe. Em seu cerne, ambas enfocam a formação do indivíduo por meio do deslocamento geográfico, dizendo respeito não apenas a um processo de desenvolvimento pessoal, interno, mas também a uma dimensão sócio-cultural mais ampla, englobando os avanços da industrialização e as aspirações da sociedade de seu tempo. Juntos, o romance de formação ou "pedagógico" ('Bildungsroman'), bem como a viagem de formação ('Bildungsreisen') se entrecruzam em um ponto onde o sujeito burguês busca se afirmar em uma sociedade cada vez mais competitiva, desigual, em que o o indivíduo precisa descobrir a si mesmo (saindo de seu meio, ressalte-se), na busca do alcance de uma formação pessoal - seja para se coadunar com o que a nova sociedade industrial em ascensão espera dele ou para conseguir se opor aos valores dela. Tal tensão, no caso de Goethe, é evidenciada por meio da oposição do protagonista, Wilhelm (o burguês que busca seguir as próprias aptidões, independentemente do desejo de acúmulo de bens, apoiando-se em uma "ilha humanista" representada por uma sociedade secreta) ou o personagem Werner, o tipo burguês que busca de modo exclusivo o lucro em tudo o que faz. Em suma, tem-se um representante da chamada 'Bildungsbürgertum' (burguesia da cultura) e outro da 'Besitzbürgertum' (burguesia da propriedade), respectivamente. Este último, a propósito, tem suas raízes literárias na figua de Crusoé, cuja popularidade perdura até os dias de hoje. Desse modo, este trabalho busca apresentar de que modo as transformações sociais ocorridas no século XVIII impactaram na tradição literária, representada por meio de dois nomes exponenciais da narrativa de ficção envolvendo formação individual e deslocamento geográfico, contribuindo para uma discussão a respeito do individualismo econômico. Para tanto, buscou-se o aporte teórico de autores como Franco Moretti (2014), Benedict Anderson (2008), Walter Benjamin (2012), Georg Lukács (2009), Thomas Mann (2011) e Ian Watt (2010), que aponta a referida obra de Defoe como responsável por iniciar a tradição do romance como gênero.
Este artigo visa a expor as principais questões envolvidas no processo de tradução do alemão para o português do Brasil do livro "Opium für Ovid: Ein Kopfkissenbuch von 22 Frauen" ("Ópio para Ovídio: um Livro do Travesseiro de 22 mulheres"), de Yoko Tawada. Com vistas ao exercício de traduzir, este trabalho deve ser entendido como um estudo preliminar sobre a escritora e seu livro "Ópio para Ovídio", escrito em uma língua estrangeira. Num contexto de constante migração e, ao mesmo tempo, de negação do Outro e de xenofobia, entende-se como necessária a busca por uma experiência de alteridade. Nesse sentido, este trabalho persegue o deslocamento do olhar para uma perspectiva e uma língua estrangeiras, de modo que o texto traduzido propicie uma experiência com o 'fremd'.
A tradução parece trazer dificuldades que exigem soluções diversas que, escolhidas contigencialmente, podem ter implicações históricas e políticas duradouras. A tradução da Bíblia por Lutero é um exemplo marcante da força histórica da tradução e das polêmicas quanto à sua forma. Em "A Tarefa do Tradutor", Benjamin estabelece duas temporalidades distintas para a vida de um texto literário e a de suas traduções, instaurando um debate a respeito dos diferentes tempos históricos que atravessam um texto, em sua relação com as diferentes línguas. A partir dessas considerações, nos propomos a discutir certas dificuldades concretas experienciadas na tradução de citações de uma obra literária dentro de um texto crítico de Benjamin, "Am Kamin", um dos textos em que desenvolve sua teoria do romance. Como traduzir hoje as citações que Benjamin faz do romance "The old wives tale" de Arnold Bennet, citações da tradução para o alemão dos anos 1930, de um texto inglês de 1908 que emula um narrador do início do século XIX, e que não foi ainda traduzido para o português? Por fim, apresento o texto traduzido, "À Lareira".
Neste artigo, trazemos algumas reflexões a respeito da influência exercida por línguas anteriormente aprendidas no processo de aprendizagem de alemão como L3 por aprendizes brasileiros. Essas influências podem operar tanto por meio de transferências linguísticas intencionais, controladas pelos próprios aprendizes, quanto por transferências não intencionais. Dependendo do referencial teórico adotado, essas transferências intencionais são consideradas estratégias de aprendizagem e/ou de comunicação. Com base em uma pesquisa empírica realizada em 2017 e em alguns debates na área acadêmica em torno do assunto (OXFORD 1990, 2011; BIMMEL e RAMPILLON 2000; SELINKER 1972, 2014; HUFEISEN 2010), este artigo tem como objetivo analisar as estratégias utilizadas por aprendizes de alemão como L3 em um chat online e refletir sobre as influências interlinguais exercidas sobre os aprendizes de forma não intencional. Os resultados obtidos apontam para contrastes (1) quanto ao tipo de estratégias utilizadas por aprendizes em diferentes níveis de aprendizagem e (2) quanto à língua da qual decorreram as influências não intencionais: aprendizes mais proficientes utilizaram estratégias que mobilizaram mais elementos da língua-alvo, como os circunlóquios, e não sofreram nenhuma influência exclusivamente da língua materna (apenas da L1 e da L2 concomitantemente ou apenas da L2), ao contrário de aprendizes menos proficientes.
O artigo visa a uma análise comparativa das obras de Ernst Jünger "O trabalhador" e "Nos penhascos de mármore". O objetivo é demonstrar que o conservadorismo do autor abrange essas duas obras, que representam fases distintas: a primeira marcada a busca pela junção do mecânico e do orgânico através do realismo heroico, e a segunda pela busca por uma Ordem transcendente. Assim, se houve, por um lado, uma mudança política do autor, que se afasta definitivamente do horizonte nazista através do caráter alegórico de "Nos penhascos de mármore", por outro lado, sua obra continua ligada a uma ênfase aristocrática e conservadora numa Ordem que determina a vida. Nesse sentido, buscamos as similaridades entre figuras e imagens delineadas pelo autor em "O trabalhador", "Nos penhascos de mármore", assim como outras obras do período do entreguerras.
O artigo busca explorar a temática da 'posthistoire' no romance "Eumeswil", de Ernst Jünger, e numa série de publicações do sociólogo e filósofo Arnold Gehlen. Tentamos evidenciar as surpreendentes afinidades eletivas que existem entre os dois autores, assim como extrair de seus escritos elementos que permitam lançar luz sobre alguns dos dilemas de nossa própria época.
O presente artigo tem por objetivo apresentar os principais resultados de uma análise sintático-semântica do verbo 'stellen', com principal enfoque em sua ocorrência como verbo suporte. Como base teórica nos utilizamos da gramática de construções, mais especificamente da abordagem construcional de Goldberg (1995; 2006) sobre as construções argumentais que, segundo a autora, seriam por si só portadoras de sentido, independente de outros itens lexicais que compõem as sentenças. Para análise de construções com verbo suporte deverbais, levamos em conta os trabalhos de Wittenberg e Piñango (2011) e Wittenberg (2016), que analisam o processamento desse tipo de construções. A análise em corpus confirmou o princípio da economia semântica postulado pela gramática de construções, já que os sentidos atribuídos tradicionalmente somente ao verbo, podem ser entendidos como resultado das relações entre 'stellen' e as construções argumentais que ele pode integrar. Os resultados da análise das construções com verbo suporte deverbais indicam que o sentido global sofre influência da estrutura argumental tanto do verbo suporte, quanto do componente nominal. As construções com verbo suporte altamente lexicalizadas formadas por 'stellen', por sua vez, são consideradas unidades armazenadas como um todo no léxico.
Dos vários recursos disponíveis ao aprendizado da língua estrangeira (LE), o livro didático tem provado ser indubitavelmente um dos elementos centrais para os mecanismos de ensino-aprendizagem em nossas salas de aula ao longo das décadas (RÖSLER; SCHART 2016). Este artigo avança as discussões atuais acerca da utilização do livro didático de alemão como língua estrangeira (ALE) especificamente no contexto do ensino superior brasileiro e tem como objetivo apresentar e discutir criticamente a partir de uma pesquisa exploratório-interpretativa (CASPARI; HELBIG; SCHMELTER 2007) a percepção dos alunos sobre o livro didático "DaF Kompakt", utilizado por uma universidade pública no Rio de Janeiro que oferece o Curso de Letras Português-Alemão. O artigo apresenta inicialmente uma discussão acerca do papel do livro didático e das crenças e percepções discentes sobre ensino-aprendizagem de ALE, em seguida apresenta e analisa os dados coletados por meio de pesquisa qualitativa junto a discentes do ensino superior e, por fim, propõe uma agenda de pesquisa que aponta para possibilidades de análise crítica do uso do livro didático de língua estrangeira e de uma investigação mais aprofundada e contrastiva sobre limites e possibilidades dos materiais usados em cursos de língua alemã nas universidades brasileiras.
Muitas vezes, instituições escolares e políticas supervalorizam a norma padrão, raramente reconhecendo a legitimidade da variação linguística. Entretanto, a variação (histórica, geográfica, social ou estilística), sendo inerente a todas as línguas, não pode ser ignorada. Em sala de aula, tanto de língua materna quanto de língua estrangeira, é necessário abordar a variação, de modo que o aluno possa usar a língua em contextos diversificados e realísticos, sem criar uma versão estereotipada. Assim, o objetivo deste artigo é compreender se e em que contextos as diferentes variedades da língua alemã se concretizam em dois livros didáticos para o ensino como língua estrangeira, um para adolescentes e outro para adultos. O método da pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, estabelecendo uma visão panorâmica da variação e analisando o tratamento dado a ela em atividades selecionadas. Os resultados sugerem que os livros abordam apenas alguns aspectos da variação geográfica e estilística. Na discussão, são problematizados esses resultados, com o intuito de auxiliar professores na avaliação e no manejo de materiais didáticos com relação à variação linguística.
O presente artigo visa refletir sobre práticas didáticas comunicativas e interculturais no ensino de alemão como língua estrangeira. No sentido de trabalhar língua e cultura de maneira integrada, atentando especialmente nas necessidades comunicativas e interesse dos aprendizes, desenvolveu-se o projeto Novela, na disciplina Língua Alemã II, do curso de graduação de Letras da Universidade de São Paulo. Este projeto propôs uma releitura atual das telenovelas brasileiras, onde os aprendizes foram incentivados a produzir os episódios, narrativas sequenciais, aplicando o conhecimento de alemão adquirido e fazendo uso de materiais autênticos, tais como quadrinhos, música, conversas por SMS e WhatsApp, vídeos, entre outros. Ao abarcar todos os três aspectos delimitados por Weissenberg (2012) para um ensino focado no desenvolvimento de competências e necessidades de aprendizagem, o projeto possibilitou que os estudantes se sentissem (co)responsáveis pelo processo de aquisição e transmissão do conhecimento, tendo impactos positivos em sua motivação e senso de responsabilidade. Por fim, os resultados obtidos sugerem que tarefas que incentivam o uso de habilidades e estratégias comunicativas, além do seu potencial como ferramenta para uma aprendizagem integrativa, podem promover discussões interculturais relevantes.
Este artigo explora a noção de extemporaneidade tomada como um traço distintivo do modelo temporal adotado pelos classicistas de Weimar, por Goethe em particular. Concebe o "extemporâneo" como um preceito e uma prática que supõe um movimento de dissociação do tempo presente e da pessoa do autor. Com base no ensaio "Sansculottismo literário" e na tradução da "Vida" de Benvenuto Cellini, publicadas originalmente no periódico "As Horas" ("Die Horen"), procuro esboçar o elo entre a resposta à Revolução Francesa e a reflexão sobre autoria, e discutir os limites da "extemporaneidade" de Goethe como meio de implementar a autonomia artística.
Um leitor de Walter Benjamin: dialética, interpretação e materialismo em Theodor W. Adorno, 1931-2
(2019)
O objetivo do artigo édiscutir a influência do livro Origem do drama trágico alemão(1928) de Walter Benjamin sobre duas preleções de Theodor W. Adorno na Universidade de Frankfurt, a saber: “A atualidade da filosofia” (1931) e “A ideia de história natural” (1932). Com isso, procurou-se, por um lado, indicar especificamente a influência benjaminiana sobre a ideia de constelação e, por outro, esclarecer as fundações histórico-filosóficas da ideia de história natural, que se encontram no centro das reflexões epistemológicas deAdorno. Dessa maneira, é possível compreender as concepções de dialética, interpretação e materialismo trabalhadas por Adorno com o propósito de caracterizar sua própria tarefa filosófica no início da década de 1930.
Este artigo reavalia a fase literária pop do escritor suíço Christian Kracht em relação aos seus últimos dois romances históricos. A superfície, ou até a superficialidade, talvez explique a ênfase da literatura pop dos anos 1990 em labels, servindo apenas como enumeração de elementos concretos, sem jamais entrar no abstrato. Argumentamos, quando nos referimos a Christian Kracht, que ele abandona tais tendências com seus últimos dois romances, "Imperium", de 2012, e "Os mortos", de 2017, sem, entretanto, renunciar à ambivalência entre o superficial e o profundo, pois ele foge habilmente de qualquer posição unívoca, tanto na forma narrativa em seus romances, quanto na forma extraliterária em entrevistas ou informações biográficas. Em virtude disso, há incertezas e ambiguidades quanto a um suposto "núcleo" autêntico ou verdadeiro de sua obra, sendo impossível distinguir claramente entre a teatralidade ficcional e a não-ficcional.
No artigo em questão, propomos uma análise do romance de estreia de Jan Sprenger, "Kirgistan gibt es nicht" - ainda sem tradução para português -, sob a ótica da necessidade de pertencimento, personificada pelo narrador, vinculada ao conceito de 'Heimat' (DORN & WAGNER, 2012). Partimos das resenhas propostas pela Revista Cultural "Perlentaucher" (2012), por Vladimir Balzer (2012), para a "Deutschlandfunk Kultur" e Friederike Gösweiner (2013), para a "literaturkritik.de". Conjugamos a perspectiva dessas três resenhas para sugerir que a jornada de Jonas não seja entendida nem apenas em relação ao seu não-par romântico, Olga, tampouco apenas como mero cenário para discussão histórica do Quirguistão, mas defendemos o pertencimento como Leitmotiv de "Kirgistan gibt es nicht".
Rezension zu Chézy, Wilhelm von. Camoens. Bayreuth: Die Grausche Buchhandlung, 1832.
O presente artigo tem por objetivo tecer uma reflexão crítica acerca da "paixão" enunciada pela campanha de marketing da empresa de combustíveis Ipiranga, a partir das contribuições teóricas formuladas por Adorno e Horkheimer, teóricos da Escola de Frankfurt, no que concerne ao conceito de Indústria Cultural. Salientamos, desde já, que este ensaio não visa a estudar epistemologicamente a referida Escola, mas sim a apontar a atualidade do conceito de "indústria cultural". Em vista da atual crença na felicidade a partir do consumo idealizado de mercadorias, disseminados pela publicidade, o presente trabalho tem por objetivo tecer uma reflexão crítica acerca da Indústria Cultural contemporânea e suas implicações psicossociais na atual constituição das subjetividades, a partir da Teoria Crítica. Tomamos como exemplar da referida Indústria o slogan publicitário: "Apaixonados por carro como todo brasileiro", que divulga como "cultura de massa" esta "paixão". Metodologicamente procedemos a uma revisão de conceitos da Escola de Frankfurt vinculados à racionalidade técnico-instrumental moderna, apontando a atualidade do conceito de "indústria cultural" e diferenciando-o de uma cultura originária das massas. A pesquisa empírica, cuja estratégia metodológica consistiu em recolhermos depoimentos de internautas em 12 sites relacionados à temática do slogan, visou investigar as atuais formas de adesão/resistência ao referido slogan. Em nossa leitura teórico-crítica dos depoimentos, apesar das formas de adesão fascinadas serem majoritárias, também detectamos formas de resistência; o que nos aponta que esta "paixão", como muitas outras proclamadas pela indústria cultural, não emerge espontaneamente dos brasileiros, mas que, em verdade, foi construída para os brasileiros – forma atualizada do fetichismo da mercadoria.
O objetivo deste ensaio é argumentar em favor da frankfurtianidade de Jürgen Habermas, isto é, estudar os pontos de convergência de sua obra em relação ao projeto teórico do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt e, a partir dessa ênfase, apontar novas possibilidades de pesquisa no campo de Estudos Organizacionais (EO). Para isso, refletimos sobre aspectos teóricos essenciais do ensaio “Teoria tradicional e teoria crítica” (HORKHEIMER, 1975) e elaboramos uma crítica aos intérpretes que utilizam a cronologia geracional como principal critério para a compreensão de diferenças no movimento intelectual da Escola de Frankfurt. Metodologicamente, inspiramo-nos na proposta de crítica à interpretação por meio da hermenêutica filosófica (RICOEUR, 1990) e na natureza propositiva de interpretação de um ensaio teórico (MENEGHETTI, 2011). Para sustentar a proposição expressa de forma provocativa no título deste artigo, dialogamos com comentadores (BOTTOMORE, 2001; FREITAG, 2004; NOBRE, 2004; MELO, 2013), a fim de propor uma caracterização não geracional de seus membros e a proximidade de Habermas em relação ao marco fundador da Teoria Crítica. Nesse sentido, acreditamos que (a) a releitura da intenção emancipadora (HABERMAS, 2002), (b) a desconstrução da isenção do conhecimento científico (HABERMAS, 1987) e (c) a incorporação da filosofia da linguagem à crítica social frankfurtiana (HABERMAS, 2012) são contribuições importantes de sua obra à Teoria Crítica de Frankfurt. Como proposição para a área de EO, em nossas considerações finais argumentamos que a recolocação do autor no posto de genuíno teórico crítico da Escola de Frankfurt pode constituir uma nova agenda de pesquisa para o campo. Acreditamos que nosso esforço pode auxiliar pesquisadores da área de EO a compreender a obra de Habermas a partir de uma via que os afasta da armadilha de considerá-lo um teórico não crítico e/ou utópico. Sob esse enfoque, torna-se evidente sua produção intelectual politicamente engajada nos problemas sociais contemporâneos – dimensão que vem sendo negligenciada pelos pesquisadores do campo de EO no Brasil.
Este artigo apresenta contribuições de Jürgen Habermas e Paulo Freire para a constituição de sujeitos crítico-reflexivos e suas implicações nos processos de ensino/pesquisa/extensão no campo dos Estudos Organizacionais. Mostramos que intersubjetividade e dialogicidade são condições para o entendimento entre sujeitos e é justamente por meio delas que ocorre sua constituição em um processo que é dialógico, pedagógico e político. Freire e Habermas oferecem elementos para desconstruir a lógica instrumental dominante e fornecem bases para a reconstrução de possibilidades inéditas/viáveis de formas de organizar e gerir. A partir disso, este artigo destaca a importância dos Estudos Organizacionais ampliarem o foco das possibilidades de ensino/pesquisa/extensão e direciona-os para um engajamento comunicativo e dialógico, ultrapassando as fronteiras das universidades. Essa reconstrução indica aos pesquisadores que participem de diferentes arenas públicas, do debate e da construção de problemas, em processos de resistência, da visibilidade e dramatização de questões problemáticas. Nos caminhos de Freire e Habermas, os Estudos Organizacionais não podem apenas desenvolver uma crítica à distância: é preciso coparticipar, co-agir, co-operar e coconstruir com os públicos em que se engajam.
Ao tratar de diferentes aspectos do conceito de mimese na estética de Theodor Adorno, o artigo busca evidenciar a permanência do que Adorno designou como mimese primitiva ou originária na sociedade contemporânea. A análise do conceito de idiossincrasia servirá para mostrar esta permanência e, ao mesmo tempo, o seu reforço pela indústria cultural. Como contraponto a essa faceta do conceito de mimese, trataremos da mimese nos âmbitos científico, filosófico e no que Adorno considera obra de arte autêntica.
Este artigo tem como objetivo analisar o tema da regulação da conduta em pesquisa, passados mais de dois anos da vigência da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510/2016. São investigadas três perspectivas (formativa, filosófica e normativa) para verificar as possibilidades de autonomia ética na pesquisa em contraposição à heteronomia normativa, especialmente no campo educacional, como parte das Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (CHSSA). A análise tem como principal base teórica a obra de Theodor W. Adorno e é realizada especialmente com base em uma das questões motivadoras da Teoria Crítica da Sociedade, qual seja, a possibilidade de emancipação (autonomia) do indivíduo na sociedade administrada.
O artigo trata da análise crítica de Jürgen Habermas da redefinição do papel político da Europa, mais voltada para a justiça social e a solidariedade, para um viés predominantemente econômico, de versão mais econômico-liberal, mais próxima da produtividade e da concorrência. A mudança política da integração europeia busca reforçar o pilar econômico da união monetária pela implementação de programas de ajustamento econômico do FMI. A consequência da opção da União Europeia por uma Europa-mercado de formato neoliberal é o desmonte do Estado social (mais voltado para justiça social) e a corrosão do elemento democrático das democracias nacionais (o esvaziamento da democracia). A consequência política dessa opção pelo neoliberalismo é a centralização supranacional de competências reguladoras para agências e organismos transnacionais europeus (Banco Central Europeu, Comissão Europeia, Tribunal Europeu, Parlamento Europeu), que lidam com acordos, contratos e tratados internacionais que deveriam funcionar como equivalentes de uma regulação política. O problema é a aprovação, a portas fechadas, de medidas que visam o controle da política econômica em detrimento da coordenação política. Isso implica a imposição de resoluções em áreas centrais de responsabilidade dos parlamentos dos Estados membros, potencializando nos Estados nacionais os problemas de legitimação necessária para implementar as políticas recomendadas de cima, explicitando a falha na construção da união monetária pela ausência dos instrumentos de uma política econômica comum.