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O presente artigo advoga a necessidade de um trabalho voltado para o desenvolvimento de estratégias de autonomia que possam contribuir para a conscientização de estudantes de Alemão como Língua Estrangeira (ALE), em contexto universitário, sobre sua importância no processo de aprendizagem. Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa junto a estudantes de graduação em Letras, Português-Alemão, de uma Universidade no Rio de Janeiro, com vistas a se verificar a influência do uso de recursos metodológicos como consultoria individual e diário de aprendizagem sobre sua percepção acerca de aspectos relacionados a aprendizado autônomo e centralidade do aprendiz no processo de aprendizagem/aquisição de ALE. Assim, nesse trabalho, serão discutidos não somente os resultados dessa pesquisa, mas também serão apresentados os principais pressupostos teóricos que balizaram a análise dos dados.
Através da ideia de quimera, esse ensaio tentará compreender a constituição aberta do personagem Odradek, da narrativa curta "A preocupação do pai de família" de Franz Kafka. O interestante nessa construção literária seria o deslocamento (inclusive das possibilidades de expressão de gênero nas línguas) que Odradek impõe ao esforço constante do narrador (representante de grupos sociais específicos) em categorizá-lo e, por consequência, do leitor, que tentaria encerrá-lo num tipo fechado de interpretação. Odradek parece um tipo de ser incapturável pelas principais categorias, sejam elas literárias, biológicas ou sociais, que ajudaram a fundar a ideia de Modernidade.
Embora a linguagem oral seja fundamental em nossas vidas, pois é por intermédio dela que expressamos nossos sentimentos, pensamentos, desejos, experiências e construímos conhecimento, pouco se fala sobre ela na educação infantil. Nesse sentido, amparados na teoria dos gêneros textuais, na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART 2012; SCHNEUWLY/ DOLZ 2013), elaboramos uma sequência didática (SD) com base em dois contos de animais. Por meio dessa proposta intervencionista buscamos aprimorar a ordem do ensino e aprendizagem em um contexto escolar composto por crianças de faixa etária entre 03 e 04 anos de idade, os quais estão inseridos na rede particular de ensino. Para este artigo intentamos descrever e avaliar as configurações da SD elaborada, bem como analisar a presença de capacidades de linguagem. Além disso, apresentaremos resultados parciais das produções orais dos alunos. Ao analisarmos a SD, verificamos a predominância das capacidades de significação (15%) e das capacidades linguístico-discursivas (12,5%). Além disso, constatamos que a SD provê atividades para as produções orais das crianças, tendo em vista que os dois contos escolhidos e as atividades os envolvem emocionalmente, psicologicamente, bem como cognitivamente. Além de recontar a história, os alunos passaram a utilizar o vocabulário e até determinadas expressões em seu cotidiano
Este trabalho tem como objetivo refletir acerca do ensino da língua alemã em escolas públicas com foco na promoção do letramento crítico. Para tanto, partimos da definição de Letramento e de Letramento Crítico, articulando o último com as atividades desenvolvidas por graduandos em Letras-alemão no âmbito do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) - subprojeto Letras-alemão - em duas escolas estaduais do interior paulista. As reflexões apresentadas basearam-se nos planejamentos e nos diários reflexivos dos licenciandos e nas percepções da coordenadora do subprojeto. Os resultados apontam para o potencial do ensino de alemão em escolas públicas brasileiras, não apenas para a aprendizagem de um novo idioma, mas também para uma formação crítica e cidadã dos alunos.
Este texto é uma resposta ao texto de Fernando de Moraes Barros, intitulado “Ontologia coercitiva da obra de arte: Adorno contra Heidegger”. Em linhas gerais, trata-se de um exame do funcionamento interno do texto “A origem da obra de arte”, de Heidegger. Assume-se a coexistência de dois eixos no texto de Heidegger, um crítico, compatível com o pensamento de Adorno, e outro ontológico, incompatível com a reflexão de Adorno sobre a arte.
O Instituto de Pesquisas Sociais (Institut für Sozialforschung) foi fundado em 1923, como um anexo da Universidade de Frankfurt, hoje intitulada Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main. A Escola de Frankfurt, desde 1930, foi dirigida por Max Horkheimer, e reunia pensadores como Theodor W. Adorno, Erich Fromm, Herbert Marcuse, e, contou também como membro do "círculo de fora" do Instituto, Walter Benjamin. Estes intelectuais formularam, como sabemos, o que conhecemos como "Teoria Crítica". Nos anos sessenta, temos a "segunda geração", marcado pela obra de Jürgen Habermas. Aquele que foi seu assistente entre 1984 e 1990, Axel Honneth, veio a ser o Diretor do Instituto frankfurtiano desde 2001. Com ele inaugura-se a "terceira geração" da Escola, cuja proposta consiste em relançar a "Teoria Crítica", sobretudo a partir do livro Kampf um Anerkennung. Zur moralischen Grammatik sozialer Konflikte, de 1992 (publicado no Brasil como Luta por reconhecimento - A Gramática Moral dos Conflitos Sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003), tendo como ponto de partida a Fenomenologia do Espírito de Hegel. Honneth centra sua reflexão na "teoria do reconhecimento" e, através dela, são apresentados os limites da obra das gerações de frankfurtianos anteriores. A falta de reconhecimento passa a ser vista como base dos conflitos interpessoais, sociais e políticos na atualidade. Mais recentemente, Honneth publicou Das Recht der Freiheit (Berlin, Suhrkamp, 2011 - O direito à liberdade) e Die Idee des Sozialismus (Berlin, Suhrkamp, 2015 - A ideia do socialismo), sustentando que o socialismo está vivo como ideia, e tem como cerne a liberdade social. Foi em 2014, no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, que aconteceu o encontro e a entrevista com o Diretor do Instituto, Axel Honneth. O foco da breve entrevista, aqui apresentada no original alemão e em tradução portuguesa.
O objetivo do presente texto é repensar a aporia pela qual o livro “Dialética do Esclarecimento” é anunciado, a saber, a autodestruição do esclarecimento ou a procura da liberdade pela racionalidade, mas que culmina em uma regressão. Nossa argumentação perfaz dois caminhos: primeiramente, apresentamos a relação existente na obra entre um tipo de antropologia com bases freudianas e uma leitura da sociologia de Marx. Concebemos a noção de uma estrutura psíquica permeável às condições sócio-históricas do ser humano ocidental. Tal condição é imprescindível para a saída da aporia intimamente relacionada a uma antropologia psíquica ligada a um modo histórico da cultura e sociedade. Na sequência, propomos ainda um paralelo entre a possibilidade de um esclarecimento efetivo por meio do resíduo mítico presente na racionalidade técnica apresentada por Horkheimer e Adorno e a assunção da situação humana de desamparo na visão de mundo religiosa, modo freudiano para se alcançar uma posição mais “científica” em relação à realidade. Nesse contexto, utilizaremos rapidamente parte da teoria de Weber como meio para relacionarmos o esclarecimento à religião no que ambos têm em comum, isto é, a defesa contra o sofrimento, a angústia e o desamparo. Talvez seja por meio da assunção do desamparo na racionalidade situada na visão religiosa de mundo, ou ainda, a assunção do mito na racionalidade técnica do esclarecimento, que permitirá o futuro desenvolvimento de uma “antropologia dialética”, o que resultaria na saída da aporia enquanto condição histórica da racionalidade humana.
As contendas filosóficas acerca da definição e da aplicação da ‘verdade’ desenvolvem-se desde a antiguidade até os dias atuais. O questionamento sobre as condições ideais para se alcançar a verdade e se estas condições podem ser satisfeitas, se a realidade pode ser conhecida com ela é ou se apenas podemos conhecer sua forma apresentada, todas estas indagações, ocuparam também o pragmatista e o neo-pragmatista Jürgen Habermas e Richard Rorty, respectivamente. Enquanto Richard Rorty, motivado pela Virada Linguística, pretende seguir o caminho oposto ao da Metafísica, substituindo a noção de verdade enquanto “descoberta” por verdade enquanto “construção”, Habermas sugere que existem condições de validação para aquilo que chamamos ‘verdadeiro’, que já encontram-se previamente estabelecidas no contexto de argumentação e que devem ser satisfeitas. Com o objetivo de analisar as posições de ambos os filósofos citados, apresentaremos de forma sucinta a visão de cada um acerca do debate sobre a verdade e a crítica que Habermas tece a respeito da interpretação que Rorty fornece.
O presente artigo tem por objetivo analisar o tema do trabalho e do reconhecimento no pensamento de Axel Honneth (1949-), filósofo e sociólogo alemão da terceira geração da Escola de Frankfurt. O conceito de trabalho é um dos temas centrais da teoria crítica. Por meio do trabalho, o trabalhador encontra a sua sobrevivência e sua satisfação. É nele que o reconhecimento expressa uma identidade moral no contexto do mercado capitalista. Sem falar ainda que a atividade laboral expressa a subjetividade humana através da ação criativa. Diante desse contexto, a presente exposição pretende percorrer os passos argumentativos de Honneth acerca da relação reconhecimento e trabalho. Tal relação ajuda-nos a compreender a relevância deste autor na filosofia política contemporânea.
A proposta que norteia esta pesquisa encontra seu fundamento na crítica de Theodor Adorno aos advogados da “Indústria Cultural”. Procuramos investigar em que consiste tal crítica, dando evidência às suas principais características, bem como aos seus reflexos no corpo social, uma vez que, a arte e a cultura, que são manifestações do espírito humano, tornaram-se produtos industrializados e comercializados, perdendo a sua essência. O escopo da arte e da cultura, entendida como a libertação e a emancipação do homem, fora violado, sendo transformado em meras mercadorias descartáveis, com a finalidade de disseminar o pensamento da classe dominante através do seu sistema econômico, acarretando em uma pseudo-individualidade. O homem passou a ser objeto de manipulação da indústria que transforma tudo em mercadoria. Esta maquinaria engloba tudo, e nem mesmo alguns atos de contestação deixam de ser incorporados e diluídos pela Indústria Cultural que rapidamente procura transformá-las em produtos para comercialização, revelando que tudo aquilo que está contra o sistema é absorvido e reinterpretado, tragando a individualidade. Os homens, por sua vez, se não aderirem à forma de pensar imposta pela Indústria, soçobrarão em meio à multidão consumidora. Assim, nossa análise compreende esta Indústria como um braço do sistema capitalista, que através dos meios de comunicação de amplo acesso, exerce grande influência na difusão e disseminação da ideologia desse sistema.
Este artigo explora a produção e transmissão de ilustrações que Candido Portinari fez para uma edição norte-americana do livro de Hans Staden sobre o Brasil no século XVI. Realizados em 1941, os desenhos caíram em esquecimento por quase sessenta anos até a sua publicação póstuma em 1998 no Brasil. Este artigo argumenta que o destino dos desenhos é sintomático da articulação da memória cultural social do passado colonial brasileiro. Com base na análise da recepção crítica e do repertório visual dos desenhos, sugere que as ilustrações de Portinari divergem de representações tradicionais da morte dos povos indígenas por desafiarem a temporalidade subjacente às molduras nacionais da memória colonial.
O presente texto objetiva expor e divulgar ao mais amplo público leitor um panorama cronológico comentado dos estudos críticos publicados sobre a literatura produzida por imigrantes de língua alemã e seus descendentes no Brasil, mostrando que e por que se tratam de uma crítica parcial, o que evidencia a necessidade de atrair a atenção para este campo de pesquisa, partindo dos novos horizontes abertos pelos estudos culturais, pela imagologia, pelos estudos da memória, além da crítica poética. Parte-se das palavras encorajadoras de Boris Fausto em Fazer a América (1999) e de Wander de Melo Miranda em Nações literárias (2010), pois a literatura de língua alemã gerada no país pertence à cultura brasileira, é uma das nações literárias encastoadas no Brasil.
Este trabalho reúne e compara relatos de pesquisas, publicados no Brasil e na Alemanha, que tratam de constelações plurilíngues em que o alemão é uma das três ou mais línguas faladas ou aprendidas no contexto analisado. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, tanto de viés quantitativo, por observar quantos artigos a respeito foram publicados no Brasil e na Europa nos últimos dez anos, como também qualitativo, na medida em que busca pontos de convergência e de divergência entre eles e recomendações teóricas recentes, e também entre as próprias temáticas trabalhadas nesses artigos. Primeiramente, é estabelecido um elo entre três pontos-chave da didática do plurilinguismo. Então, são apresentadas questões específicas da pós-modernidade e as linhas gerais dos artigos aqui analisados, seguidas de três seções justapondo cada um dos pontos-chave com os respectivos artigos em que são abordados. A seguir, são comentadas perspectivas do ensino de alemão em contexto plurilíngue de outras partes do mundo. As considerações finais retomam alguns pontos teóricos apontados ao longo do texto e apresentam sugestões para a melhoria do ensino de alemão no Brasil.
Edições publicadas entre 2011 e 2014 no Brasil e em Portugal dos romances Os sonâmbulos e A morte de Virgílio, de Hermann Broch, mais que indícios de um interesse crescente ou uma acolhida tardia, incentivam pensar que episódios vêm compondo a história de sua presença em língua portuguesa. O artigo apresenta um levantamento inédito da recepção lusófona das obras ficcional e teórica de Hermann Broch desde o fim da década de 1950 até o presente e fornece um quadro se não conclusivo ao menos organizador dos principais momentos - inclusões na historiografia literária, traduções, aproveitamentos teóricos e artísticos - que dão forma a essa história apenas começada. O objetivo é expandir o mapa de suas leituras e dispor referências a discussões futuras que resolvam avançar com a pesquisa do autor e sua obra.
Neste texto, iremos proceder a uma exposição crítica sobre a peça de teatro de Elfriede Jelinek, Die Kontrakte des Kaufmanns, que visa apresentar os princípios de composição literária utilizados pela escritora na sua proposta de um "drama parasitário". Ao mesmo tempo, vamos procurar resgatar o conjunto de referências contextuais que precedem essa teatralização. Para tanto, começaremos por mostrar o contexto de incubação da peça, passando, em seguida, a introduzir a aproximação irônica e paródica que a escritora conduz sobre o mecanismo de legitimação e naturalização do mercado e suas operações financeiras, em particular pela metafísica econométrica e pelo senso comum mediático. Num terceiro ponto, vamos apresentar os procedimentos especificamente literários com que a escritora vai revelar a lógica da economia capitalista como regime de aniquilação de corpos. Por fim, resumimos a intenção da escritora em usar o teatro como dispositivo de ativação dos espectadores pelo "horror".
Dea Loher (1964-), dramaturga contemporânea alemã, propõe ao seu leitor/espectador
histórias que retratam a sociedade, conduzindo seu público a uma reflexão acerca de temas
inerentes à realidade na qual eles se encontram inseridos. Através de um estilo próprio e
peculiar, de uma estética que combina elementos vários, Loher retoma o teatro político
enfocando os menos favorecidos, com o objetivo de criar espaços para que seu interlocutor
encontre possibilidades de mudança. A escritora dá vida a personagens que, livres de uma
utopia salvadora, têm a opção da rebeldia ou da resignação até o aniquilamento total, garantindo
uma vertente trágica à escrita da dramaturga. Dea Loher compila histórias diversas que, embora
retratem figuras descaracterizadas e tristes, não as coloca em posição de vítimas, mas enfatizam
as múltiplas perspectivas que as levaram à ação ou ao ostracismo. Uma abordagem que
privilegia as micronarrativas e as relações de poder que as circundam, além de um
questionamento acerca do tênue limite que há entre realidade e ficção.
No âmbito da literatura infantil e juvenil em língua alemã contemporânea, destaca-se a produção de Cornelia Funke. Nascida em Dorsten em 1958, a autora - ou mais especificamente a contadora (Erzählerin), como gosta de se denominar -, acrescenta a seus textos a habilidade de ilustradora. Desde o sucesso mundial da triologia Tintenherz (Coração de tinta), Funke tornou-se uma personalidade de sucesso no universo infantil e juvenil. Em grande parte de suas obras, há a presença latente do imaginário ocidental acerca do medievo. Todavia, trata-se de uma recepção desse medievo, seja através da (re)criação de imagens ou da (re)estruturação de temáticas referentes ao universo cortês. O artigo aqui proposto analisa três obras de Funke, a saber: Die geraubten Prinzen (1994), Igraine ohne Furcht (1998) e Der geheimnisvolle Ritter Namenlos (2001), tendo como ponto de partida entrevistas da própria autora acerca do tema; ou seja, pensar-se-á a relação estabelecida entre o factual e o ficcional. Ao focar na questão da releitura do medievo, o artigo prentende compreender a ressignificação do medievo através tanto de imagens recriadas quanto da inserção de um novo tipo de herói, protagonistas femininas.
As relações multiculturais dentro de uma dada sociedade passam, necessariamente, por relações comunicacionais. Determinados grupos minoritários com histórico de imigração, dentro de uma sociedade totalizante, podem desenvolver modos de comunicação e expressão específicos que afetam, diretamente, a linguagem ...
RICOEUR (1988) nos diz que a conceituação do mal é um problema que atravessa séculos, devido a sua necessidade de coerência lógica. Já se discutiu sua origem, suas causas e seus efeitos, porém nunca se chegou a um termo que eliminasse a contradição em seu cerne. Neste espaço, as obras literárias de Heinrich von Kleist (1777-1811) apresentam uma temática que abarca uma quebra de limites entre os conceitos de maldade e bondade desenvolvidos durante a Aufklärung, evidenciando essa problemática. Essa quebra nos parece estar fortemente associada à relação existente entre o "eu" e o mundo caótico em que este está inserido, implicando em uma complexidade das fontes do mal moral que diluem as barreiras entre bem e mal e nos levam à contestação destes limites estanques. Procuraremos, portanto, neste texto, demonstrar em que consiste essa quebra de limites e como a composição de uma realidade pautada no engano integra o universo literário kleistiano, principalmente na obra Michael Kohlhaas.
Zichronos de Glückl von Hameln, uma obra de caráter memorialista escrita por uma matriarca judia de Hamburgo na passagem do século XVII para o século XVIII, sob o impacto do advento da heresia sabataísta e da Guerra dos Trinta Anos, antecipa, por meio das perplexidades e das dúvidas que enuncia, um novo topos literário judaico-alemão, fundado não mais nas certezas da doutrina religiosa e dos ensinamentos tradicionais, mas na percepção da distância crescente que separa da vida tal doutrina, na percepção do abismo que se abre entre o mundo tal qual ele deveria ser e o mundo tal qual ele é, e que, portanto, parte em busca por maneiras ou respostas para se franquear tal distância, ou se volta, simplesmente, sobre o crescente estranhamento e sobre a crescente alienação. É sobre este imenso vazio e sobre estas interrogações que se construirão, como pontes dirigidas ao infinito e fadadas a nunca alcançarem seus destinos, as obras-chave da literatura judaica moderna dos séculos XIX e XX. Se o romance judaico-alemão moderno surge como representação ou como tentativa de superação deste abismo, a narrativa autobiográfica de Glückl von Hameln pode ser compreendida como um prelúdio a este gênero fundado na incompreensão, na perplexidade e na nostalgia pelo mundo impregnado de sentido.