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Mudando o ritmo das aulas de alemão como língua adicional por meio de músicas e mídias digitais
(2021)
O presente artigo tem o objetivo de discutir e descrever estratégias didáticas durante a realização de um projeto de música em uma disciplina de língua alemã como língua adicional (LA) em contexto universitário. Tendo em vista a importância da inclusão de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ensino de LAs, bem como da promoção do pensamento crítico-reflexivo, focado nos interesses e necessidades da(o)s aluna(o)s de Letras, o projeto de música foi realizado na plataforma Kahoot. Concluímos que as atividades contribuíram para o processo de ensino e aprendizagem em língua alemã, assim como para uma participação mais ativa e crítica por parte da(o)s estudantes.
Em sua "Selbstdarstellung" (2011 [1924]), Sigmund Freud (1856-1939), ressalta as origens judaicas e, nessa linhagem, o êxodo que marca sua família: percurso que desemboca em Viena e, posteriormente, em Londres, estação final. As marcas do exílio nos escritos freudianos reforçam o vínculo com o judaísmo, índice da herança paterna. O episódio do "gorro na lama", descrito na "Interpretação dos Sonhos" (2019 [1900]), como a humilhação do pai de Freud, Jakob, aos olhos da criança que aspirava a sonhos de grandeza, assim como o presente do Velho Testamento (DERRIDA 2001; YERUSHALMI 1992), abrem portas para outras questões centrais nas teorias freudianas. O pai, a "judeidade" (FUKS 2000), remetem às reflexões de Freud sobre religião, notadamente nas obras "Totem & Tabu" (2012 [1913]), "O Futuro de uma ilusão" (2014 [1927]), "Moisés e o Monoteísmo" (2018 [1939]). Dessas, o Moisés de Freud é o texto derradeiro, cujas raízes ligam-se ao povo judeu. Outros temas, como o anti-semitismo, as vantagens das "teses universalistas" da intelectualidade judaica, (SAID 2004), o isolamento e a resistência (GAY 1990) são igualmente importantes para os estudos psicanalíticos. Ser judeu é ser o Outro, e por isso, transitar pelo (des)território psicanalítico: da pulsão, da escuta das histéricas, da sexualidade infantil, da insistência da neurose, do valor do sonho.
A temática da decadência em "Os Buddenbrook: decadência duma família" é explícita: materializa-se enquanto subtítulo da obra literária. Em "Os Maias", repete-se a estrutura essencial do título anterior, focalizando-se um nome de família. Sabe-se, entretanto, de antemão, que o enredo contemplado pelo romance de Thomas Mann perpassará por episódios cujo desfecho está no desnodar decadente das gerações da família Buddenbrook, o que, ainda que não explícito, repete-se na obra de Eça de Queirós. Para concretizar de forma estética a temática pretendida, ambos os autores focalizam cada geração das famílias ficcionais, desnudando dialeticamente pensamentos e papeis sociais. Desse desnudamento, um traço se mostra compartilhado por quase todas as personalidades: a preocupação para com a perpetuação do nome da família; fardo que pressagia a total extinção de ambos os antropônimos. A fim de demonstrar a relação da nomeação com a temática da decadência familiar, este artigo propõe um diálogo entre a Literatura Comparada e a Antroponomástica Ficcional - estudo dos nomes ficcionais - e situa o processo da despersonalização subjetiva do nome de família para a concretização do ápice da decadência: o desparto social do nome.
Yoko Tawada é um dos nomes mais importantes da Literatura Contemporânea. Seu projeto literário trata das questões acerca da identidade através do processo de estranhamento. Em "Das nackte Auge" tem-se uma jovem garota vietnamita, cujo nome nunca é revelado, que, por conta de um engano, desembarca na cidade de Paris. Ela não fala francês e se vê incapaz de compreender o meio estrangeiro que a cerca. No entanto, encontra no cinema, mais especificamente nas personagens de Catherine Deneuve, um local de refúgio e identificação. Cada capítulo trata de um filme cuja narrativa progressivamente se mistura e influencia a narrativa da personagem. Já no primeiro capítulo, "Repulsion", uma referência ao filme de Roman Polanski, pode-se perceber diversos elementos comuns à obra fílmica e de fundamental importância na construção de "Das nackte Auge". Tal construção intermidiática é apresentada com o objetivo de suscitar questões acerca do sujeito contemporâneo e seu olhar (desnudado) sobre o estranho, o estrangeiro.
O artigo traz um estudo das vanguardas, tais como elas foram apresentadas ao leitor brasileiro por algumas das primeiras histórias da literatura alemã escritas em língua portuguesa. Três histórias brasileiras da literatura alemã (KOHNEN, 1948; CARPEAUX, 1967; ROSENFELD, 1993) são confrontadas com definições teóricas e textos historiográficos mais recentes, levando-se em consideração tópicos referentes às vanguardas, como origens, período de vigência, características inerentes e autores relevantes. De 1948 até cerca de 1970, período em que as três histórias foram escritas, percebe-se um crescimento na valorização das vanguardas e uma maior complexidade em sua apresentação. O fato pode ser atribuído a um desenvolvimento dos estudos de língua e literatura alemã no Brasil da década de 1960, bem como à formação mais ampla dos historiadores, que é visível em suas produções e biografias.
Nosso objetivo central é apresentar um estudo sobre Heinrich Schüler, cidadão teuto-brasileiro autor de um minucioso livro sobre o Brasil. Com sua ideia de "Brasil, um país do futuro", antecipou-se a Stefan Zweig em quase três décadas. Brasileiro naturalizado, Schüler foi representante consular do Brasil em Bremen e cônsul-adjunto em Hamburgo, onde também ministrou cursos sobre cultura brasileira para universitários. Baseando-nos em pesquisas feitas em jornais brasileiros e teuto-brasileiros, logramos compor uma imagem de Schüler que, como mostram as análises, transitava facilmente entre as diplomacias brasileira e alemã. Justamente por isso, era bem visto por uns, mas com suspeição por outros. Se, por um lado, mostrava-se um fiel cidadão da pátria que o acolhera, por outro, revelava-se um incansável defensor do alemanismo no Brasil. Defendia o envio de "sangue novo alemão" para terras brasileiras, para evitar que "as colônias de expressão alemã muito dispersas no sul do Brasil" tivessem de se mesclar "com os elementos estrangeiros". Diante do perfil de Schüler, conclui-se que, se Stefan Zweig tiver lido a monografia do cônsul como leitura preparatória, posteriormente deve ter-se chocado com as ideias políticas desse homem que flertaria com a intenção hitlerista de implantar células do 'Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei' (NSDAP - em português, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) em estados germanófonos brasileiros.
Este artigo apresenta uma leitura do filme alemão "Toni Erdmann" (2016), dirigido por Maren Ade, a partir da indagação a respeito dos modos através dos quais ele analisa os processos contemporâneos de modernização na Europa. Para tanto, será feita também uma reflexão sobre a apropriação que o filme faz de certos modos de encenação épica propostos por Bertolt Brecht. A parte final do artigo sugere uma aproximação entre o filme e a peça "Mãe Coragem e seus filhos" ("Mutter Courage und ihre Kinder", 1939).
O texto investiga os sentidos do isolamento na lírica de Mascha Kaléko. Interessa à abordagem em particular os significados sociais no tratamento do tema da solidão em algumas composições reunidas no título "Das lyrische Stenogrammheft", de 1933. O trânsito entre vida pública e privada, assim como as articulações daí resultantes, que tensionam os conflitos individuais no contexto da cidade moderna, organizam, aqui, os critérios de aproximação aos poemas. O objetivo é reconhecer na poesia da autora uma possibilidade de relacionar de maneira produtiva o momento presente e o potencial interpretativo implicado na representação da experiência da metrópole, partindo de Berlim, na República de Weimar.
Neste artigo intencionamos realizar uma análise contrastiva de ocorrências de partículas modais (doravante PM) em alemão, catalão, croata, francês e inglês, propondo uma classe de PM para o português brasileiro. Partimos de referencial teórico com base na pragmática e em teorias funcionalistas como suporte. Nosso principal objetivo é defender a existência de PMs no português brasileiro, sendo elas recursos linguístico-discursivos utilizados com a função de modalizar informações não explícitas durante a interação. Nesse sentido, as PMs ativariam pressupostos nas enunciações baseados em significados nucleares. Trata-se de estudo inédito por propor análises de palavras e locuções que ainda não foram classificadas como tal em gramáticas luso-brasileiras, salvo algumas poucas exceções. O presente estudo justifica-se pela dificuldade que essas PM apresentam tanto para o ensino de língua adicional, quanto para a tradução. A investigação e descrição das PMs alemãs e seus equivalentes funcionais em português, podem, portanto, oferecer caminhos para a compreensão de questões pragmáticas importantes para as trocas comunicativas e seus usos em sala de aula. Finalmente, levantamos a hipótese de que, embora exista uma evidente diferença de classificação dessas partículas em muitas línguas, as funções comunicativas das PMs em alemão podem encontrar semelhantes interpretativos e até equivalentes funcionais em português brasileiro.
O objetivo deste trabalho é analisar em que medida os procedimentos metodológicos de um estudo piloto são adequados para o desenvolvimento de uma pesquisa com foco no estímulo à criatividade de professores de alemão como língua estrangeira. O estudo piloto viabiliza a revisão das escolhas metodológicas, a avaliação da eficácia dos instrumentos e a adequação das fases previstas para a investigação proposta. Para a realização desse estudo, contou-se com a colaboração de três professores em formação no curso de Letras Alemão. Os materiais coletados incluem entrevistas semiestruturadas, relatos em áudio sobre as aulas ministradas ('lautes Erinnern'), relatos coletados durante um workshop e um encontro final para avaliação do percurso realizado. Como suporte teórico, as premissas da abordagem reflexiva são retomadas, contrapondo-as a demandas recentes. Após a análise dos procedimentos selecionados para incentivar a reflexão, conclui-se que as escolhas metodológicas foram adequadas e permitiram o levantamento de fatores determinantes para o delineamento da pesquisa oficial. Por meio dos instrumentos empregados, os professores em formação identificaram problemas, apontaram soluções e avaliaram as consequências de suas escolhas durante os relatos individuais e no planejamento colaborativo, gerando suas próprias teorias ao procurar compreender a prática.
Neste artigo abordamos o pluricentrismo da língua alemã através de uma revisão da literatura sobre o tema que privilegia os estudos sobre variantes e variedades do alemão. Após uma retrospectiva histórica, a partir de uma noção pluricêntrica para o ensino de Alemão como Língua Estrangeira, apresentamos uma proposta para análise de material didático a partir de seis categorias. Três categorias são baseadas no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: competência, tema e tipo de fonte textual, e três se referem às questões de base do 'DACH-Prinzip': tópicos discursivos de pluricentricidade, abordagem e variedade pluricêntrica. Os resultados da implementação da análise com as categorias propostas apontam para uma relativa incipiência da conscientização da língua alemã como língua pluricêntrica em uso em diferentes centros.
Rezension zu Euba, N.; Warner, C.; Dobstadt, M.; Riedner, R. (org.). Literatur lesen lernen: Lesewerkstatt Deutsch 2. Leipzig: Ernst Klett Verlag, 2017.
O foco do presente artigo é a análise do romance "Die Liebhaberinnen" ("As amantes", 1975), de Elfriede Jelinek. Com vasta obra que transita por diversos gêneros (poesia, romances, ensaios, peças teatrais, libretos), a escritora austríaca ainda é pouco traduzida no Brasil. Contudo, a despeito disso, notamos uma presença signficativa de trabalhos acadêmicos sobre os escritos de Jelinek. Único prêmio Nobel austríaco (entre uma longa lista de outros prêmios literários), concedido a uma mulher, figurando dentre outras dezesseis agraciadas, a escritora segue execrada pela mídia. Parte da geração que adere ao 'Anti-Heimat Roman' (romance anti-pátria), sua veia ácida, a ironia com que costura as narrativas a faz compartilhar da herança literária de nomes como Karl Kraus e Thomas Bernhard. A obra em questão repete o formato encontrado em outros textos jelinekianos - a história descortina-se a partir de tensões. O plano crítico da narração denuncia a pequenez de existências que seguem insensíveis na direção de destinos previsíveis e que atendam às forças conservadoras e patriarcais. No projeto estético de Jelinek, a língua alemã é um elemento de transgressão, como na grafia de substantivos em letras minúsculas, o uso de aforismos e repetições. Em comunhão com essa língua que questiona o status de um narrador patriarcal, a voz que narra distancia-se do narrado, paira sobre o texto, fria e indiferente. Os personagens aproximam-se de tipos, joguetes sobre um tabuleiro determinista. Da leitura do romance, destacamos a estrutura binária sexista e generificada que perpassa toda a obra, resultando numa permanente disputa entre homens e mulheres, inimigos irredutíveis, cada qual vigilante por seu espaço doméstico e pela manutenção das vantagens inerentes a seus papéis sociais. Essa dicotomia problematiza questões que configuram o arcabouço de influências estéticas e ideológicas da autora, tais como o feminismo, o marxismo e os movimentos de 1968. Nesse sentido, acreditamos no potencial transgressor e demolidor que perpassa a obra, a ponto de configurar uma estética feminista própria.
Analisando convergências entre o uso da tradução no ensino de línguas e a prática com livros de leitura facilitada (LLFs), postulamos que a facilitação que constitui esses livros pode ser vista como uma forma de tradução, conhecida por mediação linguística (em alemão, 'Sprachmittlung'). Para aprofundar os estudos sobre os LLFs e considerando o interesse dos aprendizes de alemão como língua estrangeira pela literatura em língua alemã, analisamos uma obra facilitada para nível B1 e a comparamos com o texto original. A obra escolhida foi "Die Verwandlung", de Franz Kafka, adaptada por Achim Seiffarth (2003). Utilizando ferramentas computacionais, geramos dados quantitativos ligados à linguística de corpus, buscando verificar em que medida o perfil lexical e as características estruturais dessa obra contribuem para a facilitação do texto. Como resultado, entendemos que o livro de leitura facilitada (LLF) analisado aproxima os aprendizes do texto e pode contribuir para a expansão de seu vocabulário, realizando, portanto, a mediação linguística. Além disso, os LLFs tornam possível a leitura de clássicos da literatura em língua alemã nos estágios intermediários de aprendizagem dessa língua, que de outra forma seria difícil ou impossível.
A representação da imigração alemã em "A Ferro e Fogo: I. Tempo de Solidão", de Josué Guimarães
(2020)
O presente artigo tem como objetivo analisar a representação da imigração alemã no romance "A ferro e Fogo: I. Tempo de Solidão", de Josué Guimarães. A narrativa ficcional acontece nos primeiros anos da imigração alemã no sul do Brasil (1825). A análise está pautada em três pontos: a relação de imigrantes alemães com outros grupos étnicos (a saber, negros escravizados, índios e castelhanos), a representação da mulher na narrativa (principalmente em relação ao poder de dominação e às diferenças étnicas) e, por último, as questões políticas e religiosas. Imigrantes alemães eram obrigados ou simplesmente destinados a um lado político, a uma determinada religião. Pelo posicionamento político, acabavam destinados à frente de batalhas em guerras. Na obra de Josué Guimarães podemos ver os dois lados da imigração alemã: a chegada sofrida com inúmeras dificuldades enfrentadas pelos imigrantes e também o aproveitamento que muitos fizeram da política governamental de embranquecimento da população brasileira. Através desta análise procura-se entender também o papel do descendente de imigrantes alemães na contemporaneidade.
A "Revista Contingentia", Revista do Setor de Alemão da UFRGS em parceria com a UFPel, publica artigos tanto da Linguística como da Literatura, com o objetivo de oferecer uma maior visibilidade ao leitor brasileiro acerca das produções teóricas relacionadas à Germanística desenvolvidas no meio acadêmico brasileiro e internacional. Além disso, a "Revista Contingentia" seleciona artigos voltados para os estudos da tradução, assim como aspectos linguísticos e pedagógicos do ensino de alemão como língua estrangeira (DaF). Ela também publica traduções comentadas e oferece espaço para resenhas. O presente número é de temática livre.
Este artigo tem como objetivo propor a elaboração de uma unidade didática (UD) para a aula de língua alemã em uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental, levando em consideração a realidade de uma escola pública de Porto Alegre/RS e tendo como ferramenta principal o gênero textual história em quadrinhos. Para alcançar tal objetivo, primeiramente busca-se entender o conceito de letramento relacionado à escola contemporânea - com base nos estudos bakhtinianos, bem como nos de Magda Soares (2004; 2009) e de Angela Kleiman (2008; 2014) -, a fim de compreender qual é o papel da escola na formação de sujeitos letrados que sejam capazes de participar do mundo e de se expressar nas diversas situações do dia a dia. Também é apresentada uma escola da rede pública de Porto Alegre que oferece a língua alemã em seu currículo, a fim de entender de que forma o ensino do alemão vem sendo abordado. A partir dessa realidade local, a UD foi produzida seguindo os princípios de ensino-aprendizagem de língua adicional de Schlatter e Garcez (2012) e apoiando-se no modelo de UD apresentado pelo documento "Lições do Rio Grande", que são os referenciais curriculares lançados pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul em 2009.
É próprio do conto de fadas ser ilustrado, encenado, reinventado e adaptado de várias maneiras, com destaque para suas recriações verbovisuais na forma de livros ilustrados de contos de fadas. No presente trabalho, analisamos a obra metatextual e metaficcional "Caperucita Roja (tal y como se lo contaron a Jorge)", de Luis María Pescetti e Alejandro O’Kif, em comparação com o conto "Chapeuzinho Vermelho", dos Irmãos Grimm, ao qual se refere diretamente e reproduz de forma traduzida e adaptada. Como toda obra metatextual e metaficcional, a textualidade em questão enseja inúmeros questionamentos a respeito da obra de referência, o conto dos Grimm, o qual termina avaliando criticamente. Veremos como, em "Caperucita Roja", a estrutura formal do conto de fadas dos Irmãos Grimm, caracterizada pela abstração, planicidade, lógica intuitiva e magia naturalizada, é tematizada, bem como a 'Verwandlungsfähigkeit' da narrativa original.
Walter Benjamin escreveu muito sobre cidades e arquitetura ao longo de sua obra. Seja em jornais de viagens, em ensaios dedicados a determinadas formações urbanas, em textos autobiográficos, na sua teoria do 'flâneur', ou em sua teoria estética, as cidades sempre estiveram em um local central. A cidade ideal de Benjamin não é clássica, "bela", mas, antes, marcada pela circulação de pessoas, pela "interpenetração" ('Durchdringung') e pela "porosidade". Essa cidade perfurada se metamorfoseia em sua própria filosofia da história, já que pare ele também o tempo é poroso.
As abordagens descritiva e funcional dos Estudos da Tradução contribuíram para o que se convencionou chamar de "virada cultural" ao propor formas não prescritivas de abordar a tradução e redirecionar o foco do estudo para o contexto de recepção. Analisamos neste artigo alguns dos principais aspectos das abordagens, a fim de localizar pontos em comum e divergências em suas teorias. Partiremos da análise de suas propostas gerais e, em seguida, será feita a comparação das principais contribuições de Gideon Toury e Christiane Nord aos Estudos da Tradução, buscando compreender melhor as propostas das duas vertentes. Por fim, trataremos da aplicação das teorias descritivistas e funcionalistas nas pesquisas sobre tradução, com base na análise de dissertações e teses.
A dimensão cômica é um aspecto negligenciado na recepção brasileira da obra de Elfriede Jelinek, embora venha ganhando cada vez mais destaque em trabalhos acadêmicos internacionais. O propósito deste trabalho é argumentar que o potencial cômico não é um fator secundário na obra da escritora austríaca, mas essencial no âmbito de seu projeto político-esclarecedor. Nesse sentido, este artigo apresenta possíveis aproximações a diversas categorias do cômico que podem ser identificadas em textos teatrais de Jelinek. A argumentação baseia-se em quatro peças teatrais, todas tematizando o papel da mulher numa sociedade patriarcal e capitalista.
A pedagogia iluminista procurou debater os meios de se educar o ser humano para o bem e para a independência intelectual, fundando os pressupostos dessa formação nas leis morais do bem supremo. Para tanto, a filosofia da época usou como parâmetro de sua pedagogia a total responsabilidade do ser humano por seus atos, o que acarretou na imprescindibilidade de uma formação que operasse na natureza humana uma transformação positiva, pautada na máxima do bem moral. Inicialmente adepto a esta proposta, Heinrich von Kleist, logo após sua famosa "crise kantiana", passou a contestar o modelo de educação iluminista a partir de um viés cético, pois, para o autor, a nova visão de realidade aberta pelo criticismo kantiano evidenciou os fracassos dessa pedagogia. Sob este novo ponto de vista, as noções de liberdade e de moralidade ganharam uma nova caracterização, já que se tornou impossível para Kleist determinar quais seriam os resultados desses projetos educacionais na conduta humana. Diante deste cenário, analisaremos, neste artigo, dois textos exemplares de como esta discussão foi transposta pelo autor para a literatura: em "Allerneuster Erziehungsplan", Kleist inverte a lógica desta educação ao propor uma "escola de vícios", enquanto que, em "Der Findling" (1811), o autor contesta os valores morais burgueses da família e do bem supremo, desembocando em um texto repleto de violência e de maldade.
Em meio à paisagem montanhosa dos Alpes suíços, um sanatório para doenças respiratórias. As muitas tosses ali em longo tratamento não possuem compromissos mais sérios que não sejam seguir o horário habitual das refeições e dos repousos. Diante desse meio espacialmente estagnado e temporalmente hermético de "A montanha mágica", de Thomas Mann, a liberdade mostra-se amortecida. Não nos referimos, evidentemente, à liberdade criativa do autor alemão, cuja prova de grandeza é o romance em si, tampouco à liberdade interpretativa do leitor, mas à liberdade - ou, antes, sua atenuação - problematizada pelas personagens dessa longa história. É o caso do jovem protagonista Hans Castorp, cujo aprendizado a respeito do tema paradoxalmente ocorre durante sua estada num lugar que sequestra sua liberdade. Isso se dá não apenas porque a personagem principal é incapaz de eleger, sem constrangimentos, os valores que embasam suas escolhas, mas também porque isso é dificultado pela situação espaçotemporal anômala ou, segundo o título, "mágica" da montanha. Como essa problemática é apresentada narrativamente, por meio de alguns índices de liberdade - ou seja, elementos que modificam, para as personagens e para o leitor, a indeterminação da narrativa -, é o que queremos apresentar.
Publicada em alemão no ano de 2000, a coletânea "Post Bellum" de Dragica Rajčić trata das memórias da guerra nos Bálcãs e do princípio de alteridade experimentado pela voz lírica. Este artigo tem por objetivo discutir três poemas dessa coletânea: "suisse like home", "Hunderste gedicht ohne trenen" e "Ein Haus, nirgends". Com foco na figuração da casa, o artigo inicia com uma discussão teórica do conceito de casa e passa a discutir os poemas e as imagens da casa, com interesse, sobretudo, na questão do pertencimento.
"Quem ama não dorme" ("Schlafes Bruder") é o primeiro romance do escritor austríaco Robert Schneider, publicado em 1992. Ele conta a história de um prodígio da música, nascido em um vilarejo no início do século XIX. Este artigo tem como objetivo refletir sobre a série de empecilhos que impedem o protagonista, Elias Alder, de alcançar sucesso profissional e pessoal, tendo em vista as limitações da comunidade. O romance condensa características modernas e pós-modernas, como a fragmentação identitária, a ironia, o estranhamento e a quebra da linearidade narrativa.
Mais de duzentos anos após sua primeira publicação, a obra "Os Sofrimentos do Jovem Werther" é ainda capaz de despertar sentimentos e opiniões diversas, muitas vezes conflitantes, ao tratarmos do jovem que morreu de amor na recusa de uma vida marcada por privações, que o impediam de concretizar um desejo tão genuíno. O romance epistolar do então jovem escritor Johann Wolfgang von Goethe hoje conta com algumas releituras, paródias e três adaptações para o cinema. Sabemos, certamente, que "Werther" foi responsável por consolidar, na literatura, uma revolução, lançando para o mundo umas das manifestações artísticas nacionais e autênticas do povo germânico, que já não se pautava nos clássicos moldes importados da França, como já nos apontava a Dramaturgia de Hamburgo, de Lessing. Seja por sua enorme repercussão, em escala global, seja pela trama memorável, guiada pelo sentimentalismo exacerbado de seu protagonista, a produção é, por vezes, relembrada como ponto de virada para o início do Romantismo na Europa, sendo denominada por parte do público e crítica como "pré-romântica". No entanto, a partir de sua integração em um contexto artístico-literário exclusivamente alemão, o Sturm und Drang, essa obra será analisada tanto em sua relação intrínseca com os preceitos adotados por muitos artistas do período, quanto em uma possibilidade de leitura outra, que se abre a partir daí: a construção de um caráter crítico às configurações sociais da época, feita por Goethe, logo em seu primeiro trabalho de grande sucesso. Veremos que, utilizando-se das características dominantes do movimento referido, isto é, a expressão dos sentidos, das paixões, das emoções consolidadas no espírito libertário da segunda metade do século XVIII, a narrativa pode então direcionar-se para o questionamento daquilo que retrata, especialmente a figurativização de Werther como herói ideal e revolucionário, dadas as circunstâncias sobre as quais a diegese se constrói, como a focalização e voz narrativa que gradativamente postulam o caráter dúbio e contraditório do protagonista através do romance.
O modo como a mídia representa migrantes e refugiados desempenha um papel importante na percepção e recepção desse grupo em seu novo país (Ferreira/ Flister, 2019). Este estudo visa a problematizar o olhar da mídia online sobre imigração e refúgio no quadro de uma discussão sobre o tema a partir de uma perspectiva teórica da linguística cognitiva, por meio da análise de metáforas conceituais utilizadas por dois jornais online (um brasileiro e outro alemão) em torno da conceitualização do termo 'refúgio' ('Flucht' em alemão). Este estudo foi desenvolvido com apoio de metodologia da linguística de corpus. Nosso objetivo é contrastar os usos linguísticos em dois contextos culturais e pragmáticos distintos, i.e. a cultura brasileira e a cultura alemã respectivamente, por meio da análise de mapeamentos metafóricos sobre refúgio e imigração na mídia online através de enquadramentos metafóricos presentes nesses jornais. Algumas questões que pretendemos responder são: Que frames e que metáforas surgem na mídia online brasileira e alemã, a exemplo dos jornais online "Folha de São Paulo" (FSP), no Brasil, e o jornal online "Frankfurter Allgemeine Online" (FaZ) na Alemanha, para representar o conceito refúgio? Quais são suas implicações? Os resultados apontaram o uso de frames e metáforas do domínio experiencial DESASTRES/ FENÔMENOS NATURAIS com conotação negativa como 'ondas de imigração', 'avalanche imigratória', 'Flüchtlingsströme' ('correntes de refugiados') e 'Flüchtlingsbestie' ('monstro refugiado').
Contrariamente ao que se possa supor, a concepção de 'literatura menor', tal como nos é apresentada por Deleuze & Guattari (2013), não contempla uma forma literária de menos prestígio. 'Menor' é a literatura que emerge com força de potência capaz de abalar as estruturas de um modelo literário imposto como maior. Nesse sentido, atribuir a Kafka uma leitura que perpasse essa perspectiva é reconhecer o carácter de desterritorialização de seus feitos. A relação do autor com a língua é uma forma interessante de ilustrar isso: na impossibilidade de escrever em outra língua que não fosse o alemão, conforme posto aos judeus de Praga, o que resulta é uma língua desterritorializada, tão política quanto o modelo literário que essa produz. Além do mais, as personagens que transitam pelo universo kafkiano nos dão pistas do compromisso com o social, tão presente no que é literário e 'menor', seja pela denúncia ao excesso de burocracia que pune cidadãos comuns, seja pela figura paterna constantemente representada como autoritária. Nessa continuidade, há ainda a menção à relação conflituosa que o autor manteve com seu pai, a qual lhe rendeu uma carta, publicada no ano de 1919, sob o título "Brief an den Vater" ["Carta ao pai"], e cujo intuito era tornar o pai ciente do peso negativo de suas ações sobre a vida dos filhos. Essa obra norteará nosso trabalho, enquanto objeto de análise, sobretudo porque a partir dela podemos enxergar a transição do autor de Édipo neurótico a Édipo perverso, em consonância com as contribuições de Lacan, além da riqueza de elementos contida nela, que nos permite desenvolver sobre a homofonia entre o 'Nom du Père'/'Non du Père',a representação do "não" do pai foucaultiano.
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir a tradução do texto "Die Lesung" (In: HELMINGER, Guy, 2001, p. 84 a 95), que esteve dentre os contos traduzidos pela autora na prática de "Estágio Supervisionado do Alemão I". Guy Helminger, o escritor traduzido, é luxemburguês de nascença e cosmopolita de profissão. De suas viagens e estadas pelo mundo, publicou, entre outras obras, "Die Allee der Zähne: Aufzeichnungen und Fotos aus Iran" (2018) e "Die Lehmbauten des Lichts: Aufzeichnungen und Fotos aus dem Jemen" (2019). "Rost", um de seus livros de contos, teve a primeira edição publicada em 2001, agraciada pelo Prix Servais em 2002, e a reedição publicada em 2016 (CAPYBARABOOKS e CONTER E JACOBY (200[2?])). "Die Lesung" ("A sessão de leitura") compõe a segunda parte do livro, que é dividido em três. O conto narra em onze agoniantes páginas as peripécias enfrentadas por Robert Fritzen em uma sessão de 'leitura de obra pelo próprio autor'. Impressionado pelo estofamento das cadeiras ou distraído por tossidas e fios de cabelo, Fritzen é engolido por neuras. Se o texto deve qualquer parte do seu valor estético à irritação que pode/tenta causar no leitor, traduzi-lo esteve, pelo contrário, longe de ser irritante: Helminger apresenta um texto desfrutável, mesmo sem contar com nenhum acontecimento trágico (como nos demais textos do livro). Dentre as dificuldades de tradução, se destaca o desfio de manter a linguagem realista, como caracteriza Weidner (2002), na descrição de eventos que beiram o surrealismo - ou a loucura.
Ao formular as três etapas do destino histórico do Ocidente em "Cristandade ou Europa", Novalis oferece a promessa de uma síntese futura entre a Idade Média e o Iluminismo na figura do erudito alemão romântico. Nele, o entusiasmo científico e filosófico irá ao encontro do arrebatamento místico e poético, em vez de o combater. Ele reconciliará arte e ciência, mundo sensível e espiritual, natureza e história, sagrado e profano. Já no romance "Os discípulos de Sais" há uma série de correlações vertiginosas entre natureza, espírito, corpo e história que não podem ser feitas por um cientista. Só podem ser geradas pelo poeta, o único que compreende o sentido da natureza. O artigo pretende mostrar o quanto o ideal de reencantamento dos dois livros está ligado ao saber analógico renascentista que, segundo Hartmut Böhme, introduz uma semiologia da natureza baseada em vínculos de semelhança entre as coisas. Se, na Renascença, é o filósofo natural que decifra a assinatura das coisas, em Novalis é o poeta que faz da linguagem a chave do reencantamento e da liberdade. O artigo termina refletindo sobre o conflito entre ilusão e realidade na poesia moderna.
Filipe Melanchthon é uma das figuras proeminentes na Reforma e no Humanismo renascentista alemães, embora no Brasil esta segunda característica não seja muito bem conhecida. Sua obra como um todo tem uma base teológica com a qual ele pretendia também favorecer os estudos acadêmicos, principalmente, mas não só, no que hoje é chamado de Ciências Humanas. O presente texto mostra como ele utilizou a distinção teológica entre lei e evangelho para configurar o espaço das então assim chamadas 'artes' na universidade pré-moderna alemã tardia. A ênfase aqui está nos estudos literários e linguísticos e na abordagem ética deles, favorecida por ele.
Este artigo propõe-se a analisar a trajetória do escritor austríaco Fritz Kalmar e seu conto "Der Austrospinner" ("O austro-louco"), incluído na antologia "Das Herz europaschwer", de 1997, à luz das identidades surgidas no contexto da emancipação e da assimilação judaicas na Áustria. Georg von Winternitz, protagonista desta narrativa, encarna, em seu exílio boliviano, os fundamentos de uma identidade austríaca cultivada na velha Monarquia Habsburga, legatária do Sacro Império Romano Germânico, e organiza sua existência no novo país de acordo com valores éticos e com princípios católicos, humanistas e universalistas, cultivados, sobretudo, por literatos austríacos do fim do século XIX e do início do século XX, que se dedicaram à construção da identidade imperial austríaca. Esse sistema de valores, particularmente caro aos judeus austríacos da época do Kaiser Franz Josef, revela uma surpreendente sobrevida nos Andes bolivianos depois de 1938. Ao adotar um menino indígena que está em vias de tornar-se um ladrão, esse personagem não só pretende educá-lo como, sobretudo, pretende fazer dele "um austríaco", o que significa, para o personagem, nele instilar um sistema de valores vinculado à extinta Áustria imperial. A discussão sobre esse conceito, "o austríaco", presente na literatura austríaca do século XIX e do início do século XX, é trazida à tona para tentar compreender o que se encontra por trás deste projeto. Para além dessa questão surge, ao longo da narrativa, uma alusão ao fato de que tanto o narrador quanto o protagonista da narrativa são descendentes de judeus que também "se tornaram" austríacos. "Tornar-se austríaco", assim, e com isto o conceito de 'gelernter Österreicher', temas inextricavelmente ligados ao processo de emancipação e assimilação judaica na Áustria do século XIX, são questões que ressurgem, de forma distópica e anacrônica, na Bolívia dos anos 1950, na trajetória de Kalmar tanto quanto na de seu personagem.
Hans Keilson faz parte do numeroso grupo de escritores de língua alemã que publicou entre as décadas de 1930 e 1950 obras sobre a Segunda Guerra Mundial e temas tangentes. Reconhecido tardiamente, Keilson escreveu romances, autobiografia e ensaios em que se confundem suas experiências, seu conhecimento técnico como psicanalista e a ficção. Neste artigo propomos uma leitura da novela "Comédia em tom menor" ("Komödie in Moll"), destacando a empatia como chave fundamental para leitura da obra, a focalização como expediente narrativo para alcançá-la, e a presença de elementos cômicos imiscuídos à realidade grave e por vezes trágica que é construída no conto.
Experiências migrantes, embora distintas, são geralmente acompanhadas de uma sensação de exílio e ainda que seja comum pensar o exílio como uma condição político-geográfica, na qual o sujeito é ou se vê obrigado a permanecer distante do seu lar e das suas origens, ele pode, na verdade, assumir outras formas. Entre estas, é possível citar o exílio físico - quando o sujeito, independente da sua localização espacial, sente-se exilado em função do seu gênero ou da sua etnia, por exemplo. Outra forma de exílio é o exílio linguístico - quando o sujeito se encontra em uma situação na qual escolhe - ou, por alguma razão, precisa - produzir e se comunicar em uma língua que não a sua primeira. Comum a todas as formas de exílio está a estreita ligação que estabelecem com a noção de hospitalidade e também com a noção de exofonia, que se relaciona à escrita de autores que vêm de todas as partes do mundo e, ao mesmo tempo, não pertencem a lugar nenhum e que são levados a escrever em outras línguas, além da sua primeira. A escrita exofônica evidencia um deslocamento que é sim político e geográfico, mas é ainda ‒ ou ainda mais que isso ‒ linguístico, textual, identitário, inserindo esses autores no que Ottmar Ette (2005) denomina literatura sem morada fixa ['Literatur ohne festen Wohnsitz']. A partir da análise do conto "Ein Gast" ["Um hóspede"] - obra de Yoko Tawada, na qual a protagonista japonesa vivencia uma série de estranhamentos em relação ao outro alemão, evidenciando o caráter central das noções de exílio e hospitalidade -, serão analisadas e discutidas a íntima relação entre essas noções bem como a centralidade do papel que a exofonia desempenha nessa dinâmica. Essa análise será realizada com base as reflexões teóricas de Jacques Derrida e da própria Yoko Tawada, entre outras.
A emancipação do indivíduo (e, mais precisamente de um tipo específico de indivíduo, a saber, o "burguês") é o principal ponto de convergência entre duas obras da literatura europeia setecentista (seja insular, britânica, seja continental, alemã). São elas: "Robinson Crusoé" (1719), de Daniel Defoe, e "Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister" (1795-1796), de Johann Wolfgang von Goethe. Em seu cerne, ambas enfocam a formação do indivíduo por meio do deslocamento geográfico, dizendo respeito não apenas a um processo de desenvolvimento pessoal, interno, mas também a uma dimensão sócio-cultural mais ampla, englobando os avanços da industrialização e as aspirações da sociedade de seu tempo. Juntos, o romance de formação ou "pedagógico" ('Bildungsroman'), bem como a viagem de formação ('Bildungsreisen') se entrecruzam em um ponto onde o sujeito burguês busca se afirmar em uma sociedade cada vez mais competitiva, desigual, em que o o indivíduo precisa descobrir a si mesmo (saindo de seu meio, ressalte-se), na busca do alcance de uma formação pessoal - seja para se coadunar com o que a nova sociedade industrial em ascensão espera dele ou para conseguir se opor aos valores dela. Tal tensão, no caso de Goethe, é evidenciada por meio da oposição do protagonista, Wilhelm (o burguês que busca seguir as próprias aptidões, independentemente do desejo de acúmulo de bens, apoiando-se em uma "ilha humanista" representada por uma sociedade secreta) ou o personagem Werner, o tipo burguês que busca de modo exclusivo o lucro em tudo o que faz. Em suma, tem-se um representante da chamada 'Bildungsbürgertum' (burguesia da cultura) e outro da 'Besitzbürgertum' (burguesia da propriedade), respectivamente. Este último, a propósito, tem suas raízes literárias na figua de Crusoé, cuja popularidade perdura até os dias de hoje. Desse modo, este trabalho busca apresentar de que modo as transformações sociais ocorridas no século XVIII impactaram na tradição literária, representada por meio de dois nomes exponenciais da narrativa de ficção envolvendo formação individual e deslocamento geográfico, contribuindo para uma discussão a respeito do individualismo econômico. Para tanto, buscou-se o aporte teórico de autores como Franco Moretti (2014), Benedict Anderson (2008), Walter Benjamin (2012), Georg Lukács (2009), Thomas Mann (2011) e Ian Watt (2010), que aponta a referida obra de Defoe como responsável por iniciar a tradição do romance como gênero.
Este artigo visa a expor as principais questões envolvidas no processo de tradução do alemão para o português do Brasil do livro "Opium für Ovid: Ein Kopfkissenbuch von 22 Frauen" ("Ópio para Ovídio: um Livro do Travesseiro de 22 mulheres"), de Yoko Tawada. Com vistas ao exercício de traduzir, este trabalho deve ser entendido como um estudo preliminar sobre a escritora e seu livro "Ópio para Ovídio", escrito em uma língua estrangeira. Num contexto de constante migração e, ao mesmo tempo, de negação do Outro e de xenofobia, entende-se como necessária a busca por uma experiência de alteridade. Nesse sentido, este trabalho persegue o deslocamento do olhar para uma perspectiva e uma língua estrangeiras, de modo que o texto traduzido propicie uma experiência com o 'fremd'.
A tradução parece trazer dificuldades que exigem soluções diversas que, escolhidas contigencialmente, podem ter implicações históricas e políticas duradouras. A tradução da Bíblia por Lutero é um exemplo marcante da força histórica da tradução e das polêmicas quanto à sua forma. Em "A Tarefa do Tradutor", Benjamin estabelece duas temporalidades distintas para a vida de um texto literário e a de suas traduções, instaurando um debate a respeito dos diferentes tempos históricos que atravessam um texto, em sua relação com as diferentes línguas. A partir dessas considerações, nos propomos a discutir certas dificuldades concretas experienciadas na tradução de citações de uma obra literária dentro de um texto crítico de Benjamin, "Am Kamin", um dos textos em que desenvolve sua teoria do romance. Como traduzir hoje as citações que Benjamin faz do romance "The old wives tale" de Arnold Bennet, citações da tradução para o alemão dos anos 1930, de um texto inglês de 1908 que emula um narrador do início do século XIX, e que não foi ainda traduzido para o português? Por fim, apresento o texto traduzido, "À Lareira".
Neste artigo, trazemos algumas reflexões a respeito da influência exercida por línguas anteriormente aprendidas no processo de aprendizagem de alemão como L3 por aprendizes brasileiros. Essas influências podem operar tanto por meio de transferências linguísticas intencionais, controladas pelos próprios aprendizes, quanto por transferências não intencionais. Dependendo do referencial teórico adotado, essas transferências intencionais são consideradas estratégias de aprendizagem e/ou de comunicação. Com base em uma pesquisa empírica realizada em 2017 e em alguns debates na área acadêmica em torno do assunto (OXFORD 1990, 2011; BIMMEL e RAMPILLON 2000; SELINKER 1972, 2014; HUFEISEN 2010), este artigo tem como objetivo analisar as estratégias utilizadas por aprendizes de alemão como L3 em um chat online e refletir sobre as influências interlinguais exercidas sobre os aprendizes de forma não intencional. Os resultados obtidos apontam para contrastes (1) quanto ao tipo de estratégias utilizadas por aprendizes em diferentes níveis de aprendizagem e (2) quanto à língua da qual decorreram as influências não intencionais: aprendizes mais proficientes utilizaram estratégias que mobilizaram mais elementos da língua-alvo, como os circunlóquios, e não sofreram nenhuma influência exclusivamente da língua materna (apenas da L1 e da L2 concomitantemente ou apenas da L2), ao contrário de aprendizes menos proficientes.
O artigo visa a uma análise comparativa das obras de Ernst Jünger "O trabalhador" e "Nos penhascos de mármore". O objetivo é demonstrar que o conservadorismo do autor abrange essas duas obras, que representam fases distintas: a primeira marcada a busca pela junção do mecânico e do orgânico através do realismo heroico, e a segunda pela busca por uma Ordem transcendente. Assim, se houve, por um lado, uma mudança política do autor, que se afasta definitivamente do horizonte nazista através do caráter alegórico de "Nos penhascos de mármore", por outro lado, sua obra continua ligada a uma ênfase aristocrática e conservadora numa Ordem que determina a vida. Nesse sentido, buscamos as similaridades entre figuras e imagens delineadas pelo autor em "O trabalhador", "Nos penhascos de mármore", assim como outras obras do período do entreguerras.
O artigo busca explorar a temática da 'posthistoire' no romance "Eumeswil", de Ernst Jünger, e numa série de publicações do sociólogo e filósofo Arnold Gehlen. Tentamos evidenciar as surpreendentes afinidades eletivas que existem entre os dois autores, assim como extrair de seus escritos elementos que permitam lançar luz sobre alguns dos dilemas de nossa própria época.
O presente artigo tem por objetivo apresentar os principais resultados de uma análise sintático-semântica do verbo 'stellen', com principal enfoque em sua ocorrência como verbo suporte. Como base teórica nos utilizamos da gramática de construções, mais especificamente da abordagem construcional de Goldberg (1995; 2006) sobre as construções argumentais que, segundo a autora, seriam por si só portadoras de sentido, independente de outros itens lexicais que compõem as sentenças. Para análise de construções com verbo suporte deverbais, levamos em conta os trabalhos de Wittenberg e Piñango (2011) e Wittenberg (2016), que analisam o processamento desse tipo de construções. A análise em corpus confirmou o princípio da economia semântica postulado pela gramática de construções, já que os sentidos atribuídos tradicionalmente somente ao verbo, podem ser entendidos como resultado das relações entre 'stellen' e as construções argumentais que ele pode integrar. Os resultados da análise das construções com verbo suporte deverbais indicam que o sentido global sofre influência da estrutura argumental tanto do verbo suporte, quanto do componente nominal. As construções com verbo suporte altamente lexicalizadas formadas por 'stellen', por sua vez, são consideradas unidades armazenadas como um todo no léxico.
Dos vários recursos disponíveis ao aprendizado da língua estrangeira (LE), o livro didático tem provado ser indubitavelmente um dos elementos centrais para os mecanismos de ensino-aprendizagem em nossas salas de aula ao longo das décadas (RÖSLER; SCHART 2016). Este artigo avança as discussões atuais acerca da utilização do livro didático de alemão como língua estrangeira (ALE) especificamente no contexto do ensino superior brasileiro e tem como objetivo apresentar e discutir criticamente a partir de uma pesquisa exploratório-interpretativa (CASPARI; HELBIG; SCHMELTER 2007) a percepção dos alunos sobre o livro didático "DaF Kompakt", utilizado por uma universidade pública no Rio de Janeiro que oferece o Curso de Letras Português-Alemão. O artigo apresenta inicialmente uma discussão acerca do papel do livro didático e das crenças e percepções discentes sobre ensino-aprendizagem de ALE, em seguida apresenta e analisa os dados coletados por meio de pesquisa qualitativa junto a discentes do ensino superior e, por fim, propõe uma agenda de pesquisa que aponta para possibilidades de análise crítica do uso do livro didático de língua estrangeira e de uma investigação mais aprofundada e contrastiva sobre limites e possibilidades dos materiais usados em cursos de língua alemã nas universidades brasileiras.
Muitas vezes, instituições escolares e políticas supervalorizam a norma padrão, raramente reconhecendo a legitimidade da variação linguística. Entretanto, a variação (histórica, geográfica, social ou estilística), sendo inerente a todas as línguas, não pode ser ignorada. Em sala de aula, tanto de língua materna quanto de língua estrangeira, é necessário abordar a variação, de modo que o aluno possa usar a língua em contextos diversificados e realísticos, sem criar uma versão estereotipada. Assim, o objetivo deste artigo é compreender se e em que contextos as diferentes variedades da língua alemã se concretizam em dois livros didáticos para o ensino como língua estrangeira, um para adolescentes e outro para adultos. O método da pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, estabelecendo uma visão panorâmica da variação e analisando o tratamento dado a ela em atividades selecionadas. Os resultados sugerem que os livros abordam apenas alguns aspectos da variação geográfica e estilística. Na discussão, são problematizados esses resultados, com o intuito de auxiliar professores na avaliação e no manejo de materiais didáticos com relação à variação linguística.
O presente artigo visa refletir sobre práticas didáticas comunicativas e interculturais no ensino de alemão como língua estrangeira. No sentido de trabalhar língua e cultura de maneira integrada, atentando especialmente nas necessidades comunicativas e interesse dos aprendizes, desenvolveu-se o projeto Novela, na disciplina Língua Alemã II, do curso de graduação de Letras da Universidade de São Paulo. Este projeto propôs uma releitura atual das telenovelas brasileiras, onde os aprendizes foram incentivados a produzir os episódios, narrativas sequenciais, aplicando o conhecimento de alemão adquirido e fazendo uso de materiais autênticos, tais como quadrinhos, música, conversas por SMS e WhatsApp, vídeos, entre outros. Ao abarcar todos os três aspectos delimitados por Weissenberg (2012) para um ensino focado no desenvolvimento de competências e necessidades de aprendizagem, o projeto possibilitou que os estudantes se sentissem (co)responsáveis pelo processo de aquisição e transmissão do conhecimento, tendo impactos positivos em sua motivação e senso de responsabilidade. Por fim, os resultados obtidos sugerem que tarefas que incentivam o uso de habilidades e estratégias comunicativas, além do seu potencial como ferramenta para uma aprendizagem integrativa, podem promover discussões interculturais relevantes.
Este artigo explora a noção de extemporaneidade tomada como um traço distintivo do modelo temporal adotado pelos classicistas de Weimar, por Goethe em particular. Concebe o "extemporâneo" como um preceito e uma prática que supõe um movimento de dissociação do tempo presente e da pessoa do autor. Com base no ensaio "Sansculottismo literário" e na tradução da "Vida" de Benvenuto Cellini, publicadas originalmente no periódico "As Horas" ("Die Horen"), procuro esboçar o elo entre a resposta à Revolução Francesa e a reflexão sobre autoria, e discutir os limites da "extemporaneidade" de Goethe como meio de implementar a autonomia artística.
Este artigo reavalia a fase literária pop do escritor suíço Christian Kracht em relação aos seus últimos dois romances históricos. A superfície, ou até a superficialidade, talvez explique a ênfase da literatura pop dos anos 1990 em labels, servindo apenas como enumeração de elementos concretos, sem jamais entrar no abstrato. Argumentamos, quando nos referimos a Christian Kracht, que ele abandona tais tendências com seus últimos dois romances, "Imperium", de 2012, e "Os mortos", de 2017, sem, entretanto, renunciar à ambivalência entre o superficial e o profundo, pois ele foge habilmente de qualquer posição unívoca, tanto na forma narrativa em seus romances, quanto na forma extraliterária em entrevistas ou informações biográficas. Em virtude disso, há incertezas e ambiguidades quanto a um suposto "núcleo" autêntico ou verdadeiro de sua obra, sendo impossível distinguir claramente entre a teatralidade ficcional e a não-ficcional.
No artigo em questão, propomos uma análise do romance de estreia de Jan Sprenger, "Kirgistan gibt es nicht" - ainda sem tradução para português -, sob a ótica da necessidade de pertencimento, personificada pelo narrador, vinculada ao conceito de 'Heimat' (DORN & WAGNER, 2012). Partimos das resenhas propostas pela Revista Cultural "Perlentaucher" (2012), por Vladimir Balzer (2012), para a "Deutschlandfunk Kultur" e Friederike Gösweiner (2013), para a "literaturkritik.de". Conjugamos a perspectiva dessas três resenhas para sugerir que a jornada de Jonas não seja entendida nem apenas em relação ao seu não-par romântico, Olga, tampouco apenas como mero cenário para discussão histórica do Quirguistão, mas defendemos o pertencimento como Leitmotiv de "Kirgistan gibt es nicht".
Rezension zu Chézy, Wilhelm von. Camoens. Bayreuth: Die Grausche Buchhandlung, 1832.