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Ao contrário da sua propalada aversão à práxis, Adorno situa em sua obra a prática em um nexo fundamental com suas posições teóricas e vice-versa. O objeto de sua apreensão teórica é a sociedade como auto-produção humana em todas as suas dimensões. As próprias formas sociais da sociedade são também socialmente produzidas. Assim a política não deve ser encarada como prática no plano da sociedade, mas no plano da produção histórica e social da mesma. Na sociedade vigente, as formas sociais parecem formas naturais perenes; o que seria práxis política se instala como pseudo-atividade de sujeitos assujeitados objetivamente numa ordem meramente adaptativa. Como construção do todo social verdadeiro, a política deve levar em conta estas determinações sociais que a condicionam na sociedade atual, decifrando-as em sua gênese; não pode prescindir da teoria para conferir objetividade à ação ao intervir na própria produção destas determinações.
A história da imagem perdida
(2011)
"Ah, a tradução […] exige um coração recto, devoto, fiel, esforçado, temente, […] douto, experimentado e destro. Por isso, tenho para mim que um […] espírito faccioso não é capaz de traduzir com fidelidade." (Lutero) Está sempre presente na mente do tradutor, de forma mais ou menos inconfessada, de forma mais ou menos inconsciente, e muito mais ainda no caso da tradução literária, pois é dela que estamos a falar, uma série de instâncias controladoras que regulam a sua produção como um superego de interesses divergentes. Este superego transforma o seu trabalho numa negociação de decisões drásticas e difíceis que envolvem: (a) a (pseudo) autarcia do texto ou ditadura do original; (b) o sistema de disponibilidades e exigências da língua de chegada; (c) aqueles que consideramos nossos pares, colegas de ofício, constituindo ao mesmo tempo o nosso desafio e a nossa segurança, que sempre temos em mente, mesmo sabendo que nem sempre terão tempo de nos ler, ou aqueles que por imperativo de profissão nos lêem e de quem esperamos a compreensão das nossas opções; (d) por contraponto, os “ím-pares”, eventualmente conhecendo as línguas, outras vezes nem por isso, mas ignorando o que é tradução, ao pensar que esta se resolve com equivalências lexicalizadas e automáticas, desconhecendo também as condições especiais da tradução literária; (e) o público real, a sua capacidade de interpretação e a medida da sua disponibilidade para processar a resistência criativa de um texto; (f) e os editores, com as suas linhas de orientação interna e as exigências que se prendem com o marketing.
Em 1986, praticamente no início da minha actividade de tradutor, traduzi 'A Marquesa de O…' e 'O terramoto no Chile ' para uma edição conjunta dos dois textos na Editora Antígona. [...] Preocupava-me então sobretudo com a qualidade literária do resultado tradutivo e não tanto com aquilo que hoje penso dever ser a máxima preservação possível dos caracteres funcionais do texto original. […] Nos últimos meses do ano de 2008, dediquei-me ao trabalho de traduzir alguma prosa reflexiva de Heinrich von Kleist, que viria a ser publicada em 2009 pela Editora Antígona num volume intitulado 'Sobre o Teatro de Marionetas e Outros Escritos'. Entre esses «outros escritos» encontra-se o célebre ensaio «Sobre a gradual elaboração dos pensamentos no discurso» e também a «Carta de um poeta a outro», publicada por Kleist nos Berliner Abendblätter, em 5 de Janeiro de 1811. Se aqui menciono explicitamente estes dois textos, é porque, a meu ver, como procurei demonstrar na introdução ao volume em causa, eles contribuem decisivamente para uma compreensão da concepção que o autor tem da língua, da linguagem, do discurso, da produção imagética e do estilo literário, o que por sua vez inevitavelmente reverte sobre a tradução da prosa kleistiana. Mais recentemente apresentei à Editora Antígona o projecto de organizar um volume de textos de Heinrich von Kleist que deverá intitular-se 'Prosa Narrativa Completa'. Será um projecto para concluir possivelmente em 2014. Nele deverão incluirse todas as «Novellen» de Kleist, e portanto também novas traduções de 'A Marquesa de O…' e de 'O Terramoto no Chile'. O que apresento adiante é apenas um fragmento de uma das traduções a incluir nesse volume – a do texto 'Der Findling' –, acrescentando à minha tradução alguns comentários sobre certas opções tradutivas que me parecem mais marcadamente decorrentes de especificidades da prosa narrativa kleistiana.
Traduzir Franz Kafka
(2011)
De facto, a palavra escrita representa para Kafka qualquer coisa de sagrado. Daí, o célebre “aforismo”, “Schreiben als Form des Gebetes”, a “escrita como forma de oração”. Esta escrita “como forma de oração” passou, daí em diante, a representar para mim, como adolescente que era, “a leitura como forma de oração”. A leitura passou a ser para mim algo de especial e, a partir daí, fiz de Kafka e da sua escrita uma espécie de diapasão para o que devia ou não devia ler. Nessa altura, estava ainda longe de pensar que viria alguma vez a traduzir Kafka, muito menos a referida “lenda”. Entre o convite feito pelo falecido editor da Assírio & Alvim, Manuel Hermínio Monteiro, para traduzir o romance “O Processo” e as recordações do meu primeiro contacto com a obra de Kafka mediaram cerca de vinte e cinco anos de convívio quase diário com a obra do autor. Estes longos anos de leitura de Kafka nunca criaram em mim o desejo, nem sequer íntimo e secreto, de o traduzir. Quando, em 1997, subitamente me vi perante um convite para traduzir o romance “O Processo”, a minha primeira reacção foi dizer “não”! E a razão talvez tivesse sido a importância que atribuía àquela escrita singular de Kafka, que, não obstante ser simples e transparente em termos formais, tinha algo que a aproximava da perfeição.
Traduzir Günter Grass
(2011)
Lübeck, Dezembro de 2006, reunião dos tradutores de Beim Häuten der Zwiebel (Descascando a Cebola), de Günter Grass. A reunião é convocada, como já é hábito, pela editora; na verdade, trata-se mais de um convite do autor. Durante uma semana, o livro é percorrido à lupa, página a página, dúvida a dúvida. O autor lê passagens inteiras para que os tradutores escutem a cadência, o tom, e aquela escrita sobretudo visual revela uma poderosa sonoridade. Grass lê de forma magnífica e recorda a importância da leitura em voz alta para a tradução. Alguns trazem o texto já traduzido, numa primeira versão, outros começaram apenas, como eu, que só tinha traduzido quatro capítulos. Alguns, os escandinavos, conhecem-se já há anos, desde o final da década de 1970 que se encontram para estas reuniões. Eu estou ali pela primeira vez.
O debate entre Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento abarca uma multiplicidade de questões. Tomando como fio condutor a pergunta acerca da possibilidade de compreender o conjunto de injustiças existentes a partir do conceito de reconhecimento ou da necessidade de recorrer, para isso, ao par conceitual redistribuição e reconhecimento, este artigo tem como objetivo defender que a disputa entre o monismo de Honneth e o dualismo de Fraser remete a discordâncias em suas teorias sociais. A partir de uma reconstrução das críticas dirigidas pelos autores ao dualismo social de Jürgen Habermas, bem como das diferentes teorias sociais que desenvolvem com o intuito de resolvê-las, procuraremos também mostrar que as saídas encontradas por eles a essas dificuldades estão no centro do debate sobre redistribuição e reconhecimento e que Fraser, ao desenvolver um dualismo social perspectivo, adota uma posição intermediária àquelas sustentadas por Honneth e Habermas.
Nossa pesquisa voltou-se para um grupo específico dentre os trabalhadores, aqueles atuantes na indústria do petróleo da Bacia de Campos (RJ), funcionários da PETROBRAS e de empresas prestadoras de serviços para a PETROBRAS, cujas entrevistas servem como material empírico para uma possível nova leitura acerca do mundo do trabalhador offshore, a partir de algumas questões suscitadas por Axel Honneth, atual expoente da Teoria Crítica, tais quais a vivência do desrespeito, o sentimento moral de indignação, sua articulação na busca de soluções a configurar ou não uma luta por reconhecimento. Atestamos o potencial analítico do instrumental honnethiano na orientação de investigações empíricas que possam redescobrir as relações de produção como espaço possível de experiências de reivindicação de sua humanização, no capitalismo avançado, em que pesem as tendências para as saídas individualistas ou conformistas provocadas pela concomitante precarização do trabalho.
O presente artigo analisa o conceito de esclarecimento em Horkheimer, Adorno e Freud. Para tanto, traça um paralelo entre duas das mais representativas obras destes autores no âmbito da crítica cultural. Trata-se, respectivamente, dos textos O Conceito de Esclarecimento e O Futuro de uma Ilusão. Embora uma primeira leitura dos trabalhos citados possa sugerir diferentes perspectivas teóricas, aposta-se aqui na sua complementaridade em defesa de uma utilização mais adequada do pensamento conceitual.
Neste artigo procuramos apresentar o conceito de reificação desenvolvido por Axel Honneth. Segundo o autor (2008), o conceito de reificação da forma que foi apropriado e resignificado tanto pela tradição marxista como outras correntes de pensamento, perderam de vista aspectos importantes para o entendimento da idéia de individualidade, no sentido moderno do termo. Seguimos as intuições do autor em apresentar o conceito de reificação como o esquecimento de uma condição elementar de reconhecimento intersubjetivo e da conseqüente pluralidade do mundo social.